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domingo, 30 de julho de 2017

O Jardim e o Deserto

Minhas tentações têm sido minhas mestras de teologia.
(Martinho Lutero)

O patriarca Jó teve com Deus um dos mais longos embates ideológicos de toda a Bíblia. Ele considerava injusta as severas punições que lhe tinham sido imputadas. Deus, em contrapartida, lhe fez entender que havia um proposito em cada segundo de seu sofrimento. Ao final da conversa, Jó reconheceu a superioridade de Deus, e humildemente aceitou os argumentos divinos como superiores a qualquer pensamento humano.

Porém, o patriarca ressaltou que aquela era uma conversa injustiça, pois a grandeza de Deus em contraste com a pequenez do homem, o colocava na posição de uma gota diante do oceano. Então, “sugeriu” que deveria existir um “intermediador”. Alguém que compreendesse plenamente a essência de Deus, mas, que também conhecesse as agruras de "ser homem", e pudesse conversar nas duas esferas com a mesma propriedade (Jó 33:23). Mesmo sem saber, Jó estava descrevendo as atribuições de Cristo, confirmadas em I João 2:1.

Deus criou o homem, e o conhece de forma profunda e irrestrita. Sabe suas deficiências e fragilidades, bem como o potencial a ser desenvolvido. Sonda seu coração, escuta os seus pensamentos e conta os seus dias. Deus escreveu o manual de funcionamento do homem, mas na prática, nunca “foi homem”. Deus nunca sentiu frio, fome, medo, ansiedade, angústia, dúvidas ou tristezas permanentes. E o mais importante: Deus não pode ser tentado.

Assim, Deus falava “com” o homem, mas, nunca “como” o homem. Esta aparente “distância” foi eliminada através de Cristo. O “VERBO” se fez “CARNE” e habitou entre nós (João 1:1). Jesus era o próprio Deus encarnado, vivendo entre os homens, composto de corpo, alma e espírito, sentindo na pele todas as debilidades da humanidade, sendo desafiado em todas as esferas da existência humana. Deus estava se pondo a prova, sujeito a todas as paixões e as tentações que enfrentamos diariamente. E como homem (não como Deus), resistiu a cada uma delas.

É interessante notar que em sua forma humana, Jesus foi um alvo prioritário de Satanás, assim como hoje, somos também.  Satanás é um adversário sútil, perspicaz e ardiloso, que embora não deva ser “temido”, jamais pode ser desmerecido, subestimado ou enfrentado sem a estratégia adequada, pois caso contrário, tem a assustadora capacidade de “cirandar” com a alma do homem (Lucas 21:31).

E aparentemente, Jesus estava vulnerável. Uma pombinha indefesa diante da astuta serpente. Após ser batizado no Jordão, Cristo se retirou para um período sabático no deserto. Pelos próximos quarenta dias, ele se privaria de pão, enquanto buscava no Pai, as forças necessárias para seu ministério meteórico e intensivo. Debilitado e faminto, Jesus estava para Satanás, como uma mosca presa na teia. E a aranha infernal esperou o momento certo do ataque.

Primeiro, ele se aproveitou da fome intensificada pelo período de jejum para tentar convencer Jesus a transformar “pedra em pão”. Se cedesse, Jesus estaria agindo fora do tempo estabelecido para seu ministério, e valendo-se da condição divina para beneficiar sua forma humana, fugindo completamente do propósito de sua missão.

Em seguida, Satanás propôs um desafio de “vida ou morte”, tentando inflar o “ego” de Cristo. A intenção era fazer Jesus banalizar sua humanidade, simplesmente para provar que tinha autoridade sobre os anjos, agindo em nome de mera vaidade.

Por último, o inimigo ofereceu a Jesus os governos humanos em troca de adoração. Com isso, Satanás esperava fragilizar o espírito de Cristo e corromper sua adoração. Jesus não cedeu a nenhuma delas.

Jesus se manteve de pé no ponto exato onde o homem caiu: Diante do dilema moral e espiritual de uma tentação. Enquanto o homem foi derrotado no Jardim, cercado de provisões e maravilhas, Jesus triunfou vitorioso no deserto, ladeado por escassez e privações.

A grande verdade é que Jesus acumulou diversas vitórias sobre Satanás. Na cruz Ele o derrotou com Sangue. No céu e no inferno, a vitória veio através de seu Poder. Nada, porém, é mais emblemático que a Vitória no Deserto, pois a arma utilizada foi à mesma que temos em nossa mão hoje. Obediência a Palavra de Deus.

Se Ele (em forma de homem) venceu, podemos vencer também. E fortalecidos por esta jurisprudência, temos também, um alvo a atingir. 

Vale lembrar que embora Satanás tenha tentado Jesus, não foi ele quem o levou para o deserto. Segundo Mateus, o Espírito Santo conduziu Cristo até o deserto, exatamente para que Jesus fosse tentado em tudo. Deus desejava experimentar na condição humana as tentações enfrentadas por nós todos os dias. E Ele venceu todas elas, nos provando que é possível sim, dizer não ao diabo e suas ofertas.

Não podemos perder o foco de nossa missão. O que precisamos com urgência é recuperar nossa compreensão de que Deus tem propósito quando nos leva ao deserto, e aceitar sua vontade. Infelizmente hoje muitos crentes têm tentado fugir de seus desafios desérticos, e pensam que por mero conhecimento teórico, ou pelo tempo de crença e serviço religioso, já podem galgar altos escalonados ministeriais, ou atingir elevado nível de espiritualidade. Ledo engano.

Existem lições que só aprendemos na prática, e o deserto sempre será o lugar de Deus nos experimentar, testar nossas habilidades, conhecimentos e intenções de nosso coração. Deus não pretende mudar sua forma original de tratar com seus filhos. O lugar para se levantar da queda no Jardim é o Deserto.

domingo, 23 de julho de 2017

A maldição do salmista genérico

Quem tem mil e um amigos não encontra um disponível;
quem tem um inimigo encontra-o em todo o lado.
Samuel Johnson


Em 1974, David McAllister havia acabado de ser demitido do emprego como cuidador de idosos, quando decidiu se vingar da família que dispensou seus serviços. E o que ele fez? Abriu um processo trabalhista contra seus ex empregadores? Pichou os muros da residência dos Carrier´s? Nada disso. Sua raiva era tão intensa, que McAllister planejou e executou o sequestro de Chris Carrier, uma criança com apenas dez anos de idade. 

Não é preciso muito esforço para imaginar o desespero da família com o desaparecimento daquele menino. Para piorar a situação, o telefone não tocou. O sequestrador não se preocupou em fazer contato. Afinal de contas, McAllister não queria receber um resgate. Sua única intenção era provocar dor.

E para a infelicidade de Chris, ele era muito bom nesta arte.

Durante o tempo em que esteve no cativeiro, Chris foi torturado diariamente. Seu corpo era constantemente queimado com bitucas de cigarro e perfurado por um cortador de gelo. Quando McAllister se cansou de flagelar o menino, deu um tiro na cabeça de Chris, e abandonou seu corpo moribundo, enquanto a criança ainda agonizava. Chris, porém, não morreu. Pelos próximos seis dias, ficou imóvel, flertando com a morte, até ser finalmente encontrado.

Em decorrência dos ferimentos, Chris Carrier ficou cego de um olho, e incrustado de traumas. David McAllister, por sua vez, escapou ileso. Não houve denúncia para incriminá-lo. Ele só confessou seus atos bárbaros em 1996, quando o crime já estava prescrito. Foi então, que vítima e agressor ficaram frente a frente mais uma vez. Chris agora já era adulto. Um homem forte e pleno em saúde. McAllister, estava com 77 anos. Velho, decrépito e cego. Abandonado por todos, o sequestrador agonizava lentamente em um asilo, apenas esperando a hora da morte.

Chris havia recebido seu inimigo em uma bandeja de prata. E tinha nas mãos os talheres. O que fazer numa hora destas, quando a roda da vida gira, e um torturador se vê indefeso diante daquele que foi por ele torturado?

Esta história impressionante me fez pensar em nosso comportamento como cristãos. Jesus Cristo nos ensinou que o amor mais profícuo, é exatamente aquele que não tem reciprocidade.

Ao receber um tapa na face direita, oferte a esquerda ao agressor.

Se roubarem seu cartão de crédito, entregue voluntariamente a senha.

Caso seja obrigado a viajar até Palmas, se disponha a ir para Manaus.

Ame os seus inimigos!

Diga coisas boas sobre as pessoas que fazem fofocas sobre tua vida.

Ore para que Deus abençoe quem deseja seu mal.

Em Mateus 5:38-42, Jesus aboliu a lei do olho por olho e dente por dente. Cristo derrubou a parede que separava os inimigos, e uniu lados opostos sobre a bandeira da paz. Para viver plenamente o evangelho, é preciso uma convivência pacífica “com todos”. O processo de santificação incluiu eliminar as raízes de amargura incrustadas no coração. Enquanto mantermos sementes de ódio, mágoa e ressentimentos em nossa alma, estaremos nos privando de viver a plenitude da graça de Deus. Santificação improdutiva. E desta maneira, ninguém poderá contemplar a face de Senhor. (Hebreus 12:14-15)

Se fomos chamados para sermos propagadores da paz, que raios está acontecendo com a Igreja Moderna? De onde vem a inspiração para este evangelho revanchista e vingativo, cantado e pregado a plenos pulmões? Se o requisito obrigatório para adentrar a presença do Senhor é estar em paz com todas as pessoas, porque fazemos questão de colecionarmos inimigos? Que honra existe em se tornar o desafeto de alguém, e fazer da inimizade um conceito de marketing pessoal?  É realmente possível que textos depreciativos gigantescos no Facebook e indiretas em redes sociais sejam a solução para a crise de comunhão enfrentada pelas comunidades eclesiásticas?

Acredito que este modismo é decorrente de uma teologia rasa. Efeito colateral de uma geração que se alimenta de comida regurgitada, sem nutrientes ou sustança. Vivemos num tempo onde a Bíblia é lida sem ser compreendida. Interpretações melindrosas de homens mal-intencionados, são tomadas como verdades absolutas por rebanhos hipnotizados pelo egocentrismo. Tudo gira em torno do próprio umbigo. Se algo está errado, a culpa é de alguém que não sou EU. 

E daí, nasce a muleta da “perseguição”. O conceito é basicamente uma inversão de valores: - Me esquivo da culpa, culpando alguém por aquilo que sou culpado. E ainda, usamos a Bíblia para justificar orações rancorosas. A fatídica maldição do salmista genérico.

Entenda. Os salmos estão repletos de orações aparentemente agressivas. Os salmistas não pensavam duas vezes para colocar seus inimigos nas mãos de Deus. Eles clamavam por justiça com toda a intensidade de suas almas. A confiança na intervenção divina era tamanha, que palavras proferidas em fé, soavam como cânticos de vingança. A diferença para os pseudo salmistas modernos, é que todos os poetas bíblicos, aceitavam em submissão, a vontade do Senhor. Os inimigos pessoais eram transferidos para Deus, e cabia a Ele, a sentença justa e correta. Basicamente, um salmista tirava suas mãos do problema, para que Deus colocasse as dele. Assunto encerrado.

Quando os meus inimigos contigo se defrontam, tropeçam e são destruídos. Pois defendeste o meu direito e a minha causa; em teu trono te assentaste, julgando com justiça. (Salmo 9:3-4)

A ti, Senhor, elevo a minha alma. Em ti confio, ó meu Deus. Não deixes que eu seja humilhado nem que os meus inimigos triunfem sobre mim! Nenhum dos que esperam em ti ficará decepcionado; decepcionados ficarão aqueles que, sem motivo, agem traiçoeiramente. (Salmo 25:1-3).

O meu futuro está nas tuas mãos; livra-me dos meus inimigos e daqueles que me perseguem. (Salmo 35:15)

Os teus mandamentos me tornam mais sábio que os meus inimigos, porquanto estão sempre comigo. (Salmos 119:98)

Davi foi um destes salmistas. Ele viveu em um período onde a lei do olho por olho vigorava a todo vapor. E ao longo de sua vida, Davi acumulou inimigos as carreiras, e matou muita gente. Suas mãos estavam encharcadas de sangue. Mesmo assim, é dele a grande maioria dos salmos onde a justiça do Senhor era invocada sobre adversários.  Davi sabia que o coração humano é mal, e que as mãos dos homens são cruéis. Em I Crônicas 21, após desobedecer uma ordem divina, o rei se viu às voltas com uma escolha difícil. Como castigo a sua intransigência, Davi seria obrigado a optar por uma destas calamidades:

- Três anos de fome sobre a terra.
- Três meses sendo afligido pelos seus inimigos.
- Três dias de peste sobre Israel.

A opção feita por Davi, nos diz muito sobre as motivações do belemita em suas orações:

- Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; caia eu, pois, nas mãos do Senhor, porque são muitíssimas as suas misericórdias; mas que eu não caia nas mãos dos homens. (I Crônicas 21:13) 

A ironia que muita gente não entende, é que entregar um inimigo nas mãos de Deus, não tem nada a ver com vingança. É na verdade, um ato de grande benevolência. Desejar o bem a quem trabalha por teu mal. As mãos do Senhor são revestida de amor e misericórdia. As nossas, nem tanto. Davi nunca ouviu um ensinamento de Jesus, mas, tinha por hábito “orar por seus inimigos”. Dividir com Deus suas batalhas.

E porquê? 
Simples.

Batalhas, lutas, mortes e traições eram rotineiras na vida de Davi. E esta rotina, era também sua maior frustração. As inimizades consumiram muitos anos de sua vida. Ele abriu mão dos amigos para se dedicar aos inimigos. Ele perdeu filhos para ganhar adversários. Davi ilustra bem a frase do escritor Leon Uris: - Muitas vezes não temos tempo para dedicar aos amigos, mas para os inimigos temos todo o tempo do mundo!

Davi sabia que sua vida estava sendo consumida por seus inimigos. Ele dormia e acordava pensando neles. Estavam dentro e fora de casa. Todo o tempo. O tempo todo. Isto o aborrecia. No Salmo 23:5, ele revela o desejo escondido no seu coração: - Prepara uma mesa para mim, na presença dos meus inimigos...

Você até pode pensar que Davi queria se banquetear enquanto seus inimigos passavam fome. Ou quem sabe, ele almejava ver seus inimigos na “plateia”, enquanto brilhava no palco. Nada disso. Em geral, seres humanos adultos, tem o tronco do corpo com tamanhos similares. Quando nos assentamos, grandes e pequenos conseguem se olhar diretamente olhos. Se tornam iguais. E era exatamente esta a oração de Davi. Ele queria se assentar em uma mesa com seus inimigos. Olhar nos olhos deles. Partilhar. Estar no mesmo nível. Resumo da obra: Davi orava para não ter inimigos.

E hoje, tem gente que constrói seu ministério sobre os pilares da inimizade e do vitimismo. Estranho, não? Salmistas genéricos que ignoram aquilo que Jesus nos ensinou. Quem ama seus inimigos, deixa de tê-los. Jesus foi perseguido, humilhado, julgado, torturado, traído, negado e assassinado com requintes de crueldade. Mesmo assim, eu te desafio a citar um único inimigo nominal de Cristo. O amor sempre fala mais alto que o ressentimento. O perdão lava as mágoas do passado.

Quando Chris Carrier se encontrou com David McAllister no asilo, ele se compadeceu de seu maior inimigo. Em lágrimas, McAllister lhe pediu perdão, e foi perdoado. Chris olhou seu agressor nos olhos, e lhe garantiu que, entre eles, não existiria mais qualquer resquício do passado. Nas semanas seguintes, Chris visitou McAllister quase todos os dias. Ele levou sua filhinha para conhecer o novo amigo. Chris fazia questão de presentear McAllister com suas comidas favoritas. Chris se assentava ao lado da cama de McAllister, e lia para ele trechos da Bíblia. Quando McAllister morreu, Chris chorou de tristeza. E nos anos seguintes, sentiu saudades. 

Se isto não for ser cristão, a Bíblia precisa ser revisada. Infelizmente, na atual crise de apostasia que se esconde sob a alcunha de “Geração do Avivamento”, estamos dando cada vez menos ouvidos aos ensinamentos de Jesus, e aplicando cada vez mais em nossas vidas a afirmação do escritor francês Jean Hérault de Gourville: - Que Deus me defenda dos amigos, que dos inimigos me defendo eu. Como bem já disse Mahatma Gandhi: - Olho por olho, e o mundo acabará cego!


domingo, 16 de julho de 2017

Fogo no Altar e Sangue na Montanha

Avivamento não é a tampa explodindo, mas o fundo caindo.
(Darrel Bridges)


Muitos dizem que somos  a “Geração do Avivamento”. Poucos entendem de fato, o que um “AVIVAMENTO” significa. Billy Grahan dizia que o avivamento não é descer a rua com um grande tambor, e sim, subir ao Calvário com grande choro. Infelizmente, confundimos “poder” com “barulho”, sem compreender que no silêncio, a voz de Deus também brada com intensidade. O fogo é um sinal poderoso, mas o resultado final de um avivamento, depende daquilo que emerge das cinzas.

O relato da Batalha dos Deuses no Monte Carmelo registra um dos maiores avivamentos da história, já que num único dia, toda a nação de Israel reconheceu a superioridade do Deus de Elias sobre os deuses cananitas Baal e Asera. Os gritos de “só o Senhor é Deus” ecoaram por todo reino, enquanto altares pagãos eram derrubados. E é exatamente esta a essência de um verdadeiro avivamento. TRANSFORMAÇÃO. Mudança real pós "fogo".

Mas, antes de falarmos sobre os eventos do Carmelo, vamos entender o contexto deste “avivamento” épico.

Na sua origem, e em sua essência, a nação israelita sempre foi monoteísta. Ela foi projetada, criada, guardada e protegida por aquele que viria a ser conclamado “O Deus de Israel”, destinando somente ao Senhor seu culto e adoração. Mesmo assim, por inúmeras vezes ao longo de sua história, Israel flertou com culturas estrangeiras, deixando-se influenciar por seus hábitos e até mesmo importando suas práticas religiosas pagãs e deturpados modelos de culto. 

Este costume se deriva do próprio Egito, onde os Israelitas habitaram por mais de quatrocentos anos, e se evidenciou no deserto, mesmo o povo ainda estando sobre a liderança de Moisés (Êxodo 32). Durante a gestão de Josué, a miscigenação com o paganismo se intensificou, tornando-se rotineira no período dos juízes, o que trouxe grandes calamidades para a nação (Josué 24). No início da era dos reis, mesmo com os deslizes morais e espirituais de seus monarcas, a nação não se corrompeu de forma generalizada, mas, esta realidade mudou com a morte de Salomão e a ascensão de seu filho ao trono.

Devido ao uso abusivo de poder praticado por Roboão, uma verdadeira guerra civil irrompeu em Israel, dividindo o país em dois. Ao Norte, a coalisão de dez tribos nomeou um eframita chamado Jeroboão como rei, e ao sul, Roboão exerceu seu reinado apenas sobre as tribos de Judá e Benjamim (I Reis 12). Embora seu reino fosse maior, mais populoso e tivesse herdado o nome de Israel, Jeroboão estava inseguro, pois a capital Jerusalém, com seu suntuoso Templo, pertenciam agora ao Reino do Sul, que passou a ser chamado de Judá.

Temendo que seus súditos atravessassem a fronteira para fins religiosos, Jeroboão decidiu criar uma nova religião. Assim, tornou Dã e Betel em cidades de adoração, colocando em cada uma delas, a imagem de um bezerro de ouro. Para conduzir seus novos rituais religiosos, ele abriu um verdadeiro “concurso público” para o serviço sacerdotal, e mudou as datas das principais festas judaicas. Começava, assim, o declínio espiritual de Israel (I Reis 13).  

Uma sucessão de reis corrompidos marcou os primórdios do novo reino, sendo Acabe, o oitavo deles. Filho de Onri, um rei que conseguiu ser mais perverso de todos os anteriores, Acabe demostrou ao longo de seus vinte e um anos de reinado, muita força política e uma moral extremamente fraca. Em seu primeiro confronto com os sírios foi ajudado pelo Senhor, que venceu por Israel a batalha realizada em regiões montanhosas. Convencidos que o “Deus de Israel” era um “Deus de Montanhas”, a Síria levou a guerra para regiões de geografia plana, e mais uma vez, foi milagrosamente derrotada. Neste episódio memorável, foi cunhada a expressão: Deus dos Montes e dos Vales (I Reis 20).

Portanto, Deus se revelava desejoso de participar ativamente do reinado de Acabe, mas ele optou por alicerçar seu reino em pactos escusos, sendo o primeiro deles com o próprio Ben Hadade, rei dos sírios. Sua mais errônea aliança é com Etball, rei dos sidônios e alto sacerdote de Baal. Como parte deste tratado, Acabe se casou com a princesa fenícia Jezabel, uma mulher que traria ruína para toda a nação. 

Com o casamento pagão de Acabe, a idolatria ganhou legalidade no Reino do Norte. Jezabel, agora Rainha de Israel, passou a exercer grande influência nas decisões mais relevantes do país, tendo seu marido em total sujeição. Ela usou a fraqueza emocional de Acabe para impor suas vontades, e assim oficializou o culto ao deus Baal no território israelita. Além disto, Jezabel promoveu uma verdadeira matança, assassinando todos os profetas que se posicionam contra as suas ações.

Apenas um pequeno grupo remanescente foi salvo da chacina, mediante a providencial ajuda de um alto funcionário do palácio por nome de Obadias, que escondeu e alimentou esses homens durante o período de perseguição. Enquanto isso, Acabe se cercava com uma corja de pseudos profetas que falavam apenas o que o rei desejava ouvir, profetizando conveniências. Sem uma liderança compromissada com Deus, toda a nação mergulhou numa era de apostasia, imoralidade e escuridão espiritual.

Com a nação imersa na idolatria e a mercê de falsos profetas; Acabe e Jezabel não enfrentavam resistência ao seu modo nefasto de governar, já que seus potenciais inimigos estavam mortos ou exilados. Mas é exatamente aí que Deus decide intervir e castigar a terra com uma grande seca. Para avisar ao rei sobre este castigo, Deus enviou um profeta do Senhor, remanescente e fiel, que se tornou uma pedra no sapato da casa real.

Pouco sabemos sobre ele, apenas que seu nome significa “Jeová é o Senhor” e que era natural de um lugarejo chamado Tisbé, situado na região de Gileade, ao leste do Jordão, no território pertencente a tribo de Naftali. A descrição de sua figura soa pitoresca, já que se vestia de “pelos” e andava cingido de “couro”, o que faz alguns estudiosos cogitarem a possibilidade de Elias ter sido um tipo de ermitão. Porém, a Bíblia evidência que ele era muito respeitado entre os profetas, e talvez sua reconhecida importância espiritual seja a razão para que Acabe se propusesse a ouvir o que ele tem a falar.

Seus caminhos se cruzaram pela primeira vez quando Elias anunciou a grande seca que viria sobre Israel, privando a nação não apenas da chuva como também do orvalho,  mas novos e acalorados embates “olho no olho” ainda se dariam mais adiante, como por exemplo, em decorrência do retorno da chuva, do covarde assassinato de Nabote e do Desafio dos deuses. O incomodo causado por Elias em Acabe foi tão intenso, que rei o rotulou “O Perturbador de Israel”.

Ufa.... Agora, já bem contextualizados com a situação, podemos voltar ao  Horebe....

Edificado pelos três anos que se manteve sobre os cuidados do Senhor em Serapta, Elias conclamou os profetas de Baal e Asera para um desafio grandioso. Os novecentos sacerdotes pagãos teriam seis horas para clamar por seus deuses, e depois, seria a vez de Elias orar ao seu Deus. A divindade que respondesse com fogo no menor período de tempo, seria declarado “SENHOR DE ISRAEL”.

No dia do desafio, centenas de israelitas se agruparam aos pés do Carmelo, para testemunhar a aflição dos profetas de Baal e Asera, que do amanhecer ao meio dia, clamaram desesperados, sem receber nenhuma resposta. Com o tempo esgotado, chegou a vez de Elias clamar ao seu Deus. Tranquilamente, ele inspecionou o altar e reparou todas as imperfeições. Depois, enquanto colocava o sacrifício sobre a pedra, pediu para que fossem abertas valas em torno do Altar. Para surpresa de todos, o profeta as encheu de água, e molhou o altar, encharcando completamente sua oferenda. Seria impossível começar um incêndio naquele lugar. 

Ou não.

Com o altar preparado e encharcado, era chegada a hora do fogo descer. Elias se ajoelhou, olhou para os céus, e realizou uma oração introspectiva de poucos segundos:

- Ó Senhor, Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, que hoje fique conhecido que tu és Deus em Israel e que sou o teu servo e que fiz todas estas coisas por ordem tua. Responde-me, ó Senhor, responde-me, para que este povo saiba que tu, ó Senhor, és Deus, e que fazes o coração deles voltar para ti. (I Reis 18:36-37)

No mesmo instante, o fogo caiu do céu sobre o altar. A carne do holocausto foi incinerada por completo e a água das valetas, evaporou-se instantaneamente.

Chuva de Fogo sobre o Altar! Este é sem dúvidas um momento lindo e especial, de vislumbre, deleite e glória, que marcará para sempre a história de quem o vivenciar. Mas, como todo bom e inesquecível momento, a queda do fogo é passageira. O que fica de fato, são seus efeitos. A água evapora, simbolizando que a PALAVRA voltou para Deus cumprindo o seu propósito (Isaías 55:10-11). A carne sobre o altar é consumida, incinerada, queimada ao ponto desaparecer, e quando isso acontece, o Espírito é fortalecido (I Colossenses 3:1-3).

Quando o fogo cai, mas a água continua nas valas e a carne se mantem mal passada sobre o altar, é por que de fato, não houve  avivamento real  ali. 

O fogo também pode representar separação. Quando Elias foi levado ao céu por um redemoinho, primeiro um carro de fogo desceu dos céus e passou entre ele e seu discípulo Elizeu, separando quem ficaria, de quem seria arrebatado. O fogo do verdadeiro avivamento tem esta característica de evidenciar “os que são” dos que “NÃO são” (II Reis 2:1-11).

Se o fogo caindo é uma visão deslumbrante, a próxima cena do avivamento é assustadora, porém, imprescindível. Ao perceber que estavam sendo enganados pelos falsos profetas, o povo de Israel reconheceu a soberania do Deus de Elias e literalmente, eliminou os mestres do paganismo. Em pouco tempo, cerca de novecentos profetas de Baal e Asera foram mortos ao fio da espada pelo turba enfurecida, transformando os seiscentos metros do Monte Carmelo, numa grande cascata de sangue, e a montanha num depósito de cadáveres.

Visão desagradável, não é? 

Mas é exatamente aí que reside a beleza do AVIVAMENTO. Quando ele é genuíno, as coisas mudam, e nada é como antes. Quem experimenta o verdadeiro avivamento, não aceita mais em sua vida, a causa raiz de seu erro, e extermina o mal de uma vez por todas, por mais doloroso que possa ser  este processo (Mateus 18:9).

Todo evento onde o fogo cai do céu, mas a carne não queima, a água não evapora, o altar permanece fendido e os profetas de Baal e Asera continuam vivos, não trouxe de fato, qualquer tipo de avivamento. Foi apenas um belo espetáculo. Nada mais. 

domingo, 9 de julho de 2017

Fariseus Modernos

Aqueles que não permitem que Deus trabalhe neles, 
nunca podem trabalhar para Ele.
(T. S. Watchman Nee)


É muito difícil sentir qualquer empatia pelos fariseus. Este desmoralizado grupo religioso, era na verdade, formado por homens devotados ao estudo da Torá. A relevância desta comunidade de notáveis foi tão elevada, que as sinagogas só existiam por causa deles. Minuciosos observadores da Lei Mosaica e pesquisadores esmerados das profecias messiânicas, se tornaram baluartes do judaísmo e defensores irredutíveis da cultura semita. Entre os tópicos mais relevantes de suas observações diárias, estavam os presságios sobre a chegada do Messias e o impacto espiritual que o Emanuel causaria na humanidade.

O problema, é que, enquanto olhavam para os céus, esperando Deus se manifestar entre raios, trovões e luzes flamejantes, o Verbo caminhava sob o sol escaldante da Galileia. Mas, na perspectiva de homens imersos em religiosidade, um carpinteiro do interior não preenchia os critérios para ostentar o título de Filho de Deus. 

Ledo engano.

Quando Jesus se revelou como “aquele que haveria de vir”, a religião judaica entrou em colapso. Milhares de pessoas eram atraídas pelos ensinamentos do Rabi de Nazaré, e se admiravam com seus sinais e milagres gloriosos. Cegos enxergavam, mudos cantavam e aleijados bailavam desengonçadamente. Desesperados, os líderes religiosos de Israel atuavam em duas frentes.

Na primeira, confrontavam Jesus publicamente, criticando duramente sua postura agregadora. Enquanto isto, confabulavam em salas secretas, arquitetando planos ardilosos para sentenciar Cristo a morte.

E Jesus Cristo não se importava em colocar munição na arma que estava apontada para si. Pelo contrário, uma única alma salva, tinha mais valor que toda a casta religiosa perdida no próprio egocentrismo. Para homens que reverberavam santidade, pureza e separação, testemunhar Jesus Cristo abraçando leprosos, jantando com publicanos e sendo carinhosamente tocado por mulheres difamadas, era um pedido explícito de condenação. Se aquele “militante” realmente tivesse qualquer vínculo como Deus, certamente saberia separar o “joio e o trigo”, e se negaria a andar em companhia tão comprometedora.

E, de fato, Jesus aparentemente, tinha o dedo podre para amizades. Seu círculo mais íntimo era formado por homens xucros, pescadores iletrados, políticos radicais, e até mesmo por um “traidor” da pátria. Se aplicássemos em Cristo o famoso “diga-me com quem andas, e te direis quem és”, certamente, o excluiríamos de nossa lista de contato.

João 4 nos relata o encontro a sós entre Jesus e uma mulher samaritana cuja vida transbordava em luxúria. Em Lucas 19, Cristo se hospeda voluntariamente na casa de um homem cercado por indícios de corrupção. Mateus 9 nos revela que Jesus, intencionalmente, permitiu que uma mulher impura tocasse em suas vestes. Já Marcos 5, nos conta sobre a visita de Cristo as dependências de um cemitério perigosamente avizinhado por um criadouro de porcos. Tudo errado. Situações inconvenientes. Lugares inadequados.

Jesus não frequentava ambientes convencionais. Estava sempre fora da zona do conforto estabelecida pela religiosidade. Prato cheio para os críticos de plantão. As serpentes cravavam suas presas nos discípulos e destilavam o veneno legalista:

- Por que ceia o vosso mestre com publicanos e pecadores? (Mateus 9:11) 

Jesus tinha a resposta para esta pergunta estampada na essência de seu ministério.

 - Eu não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento. (Mateus 9:13)

Jesus estava onde precisava estar. Seu faro por pecadores o afastava dos ambientes religiosos, onde o pecado usava o perfume falsificado da santidade. Jesus descia ao esgoto, para de lá, retirar o miserável. Cristo sujava suas mãos, sem que seu coração se contaminasse. Esta era a diferença.

Quando Jesus se viu sozinho com uma prostituta que lhe “devia” favores, olhou em seus olhos e perdoou os seus pecados. Quando se encontrou na alfandega com um cobrador de impostos, fez dele um discípulo abnegado. Nem um centavo de lucro. Nenhuma vantagem pessoal. Cristo abominava o pecado na mesma intensidade que amava o pecador. Então, não media esforços para tirar uma alma do lamaçal pecaminoso.

Exatamente por isso, as críticas dos fariseus eram apenas murmúrios desprezíveis, que desapareciam entre os gritos desesperados dos aflitos e esquecidos. Na balança do Messias, uma ovelha equivalia a um rebanho inteiro. Uma única moeda perdida levava a conta para o vermelho. Um filho rebelde continuava tendo destaque no álbum de família. (Lucas 15)

Os fariseus não aceitavam isto. Se sentiam mais espirituais que as pessoas simples. Se consideravam mais santos que os cegos e aleijados curados por Cristo. Estavam errados. Homens pomposos revestidos de religiosidade vazia. Jesus os chamou de "sepulcros caiados". Aparência sem conteúdo. Amor sem bondade.

Hoje, fariseu é um termo pejorativo. No vocabulário cristão, geralmente faz referência a alguém que se promove sem ter algo a oferecer. Hipocrisia. Falsidade. Dissimulação. Nos chamem de “Filhos de Satanás”, mas, nunca de FARISEUS. Ofensa tem limite.

Porém, sugiro aqui, um rápido exercício de imaginação. E se ao invés de ter nascido na Galileia do primeiro século, Jesus Cristo fosse um brasileiro, originário do sertão pernambucano. Um agricultor de pouca renda chamado José, frequentador de nossa igreja. 

Será que o aceitaríamos como Messias? E qual seria a nossa análise, quando o encontrássemos dentro dos bares, assentado junto aos cachaceiros que tanto evitamos? Lidaríamos bem com suas visitas as boates suburbanas? Aceitaríamos seus encontros “escusos” com homens de moral dúbia e mulheres de vida pregressa?

Tenho a ligeira sensação, que todas estas situações hipotéticas seriam tratadas como escândalos vexatórios ao evangelho. José (ou Jesus), certamente seria excluído de nossos rol’s de membros, banido dos altares e catapultado ao limbo eclesiástico. Sim, paradoxalmente, Jesus Cristo seria considerado uma vergonha para a Cristandade. Não é tão fácil assim, compreender a urgência de um socorro. Quando preciso, Cristo nunca faz cerimonias ou ritos. Ele simplesmente desce ao inferno para resgatar uma vida. Nós, evitamos até mesmo a roda dos escarnecedores, mesmo que por vezes, nosso coração já esteja lá a muito tempo.

Queremos ser santos em ambientes de santidade. Jesus quer que sejamos santificados em meio ao mundo pecaminoso. Luz nas trevas. Sal para uma geração insípida. As redes precisam ser lançadas ao mar, e não no assoalho do barco. A vida diária dentro de um templo pode até nos edificar, mas, não evangeliza. Os perdidos estão lá fora.

As pessoas precisam invocar o nome do Senhor para serem salvas. Mas, como invocarão, se antes não acreditarem Nele? E como crerão, se ninguém as evangelizar? E como serão evangelizadas, se a igreja não sair ao mundo para pregar? (Romanos 10:14-15)

O que me entristece profundamente, é ter a plena consciência, que infelizmente, apesar de abominarmos o farisaísmo judaico, somos na verdade, fariseus que discursam em português. Até nos importamos com as almas. Só que nosso amor por elas, é menor que nossa letargia em buscá-las.

O IDE já foi dado. As estratégias já foram ensinadas. Jesus determinou a abrangência da mensagem. Todo o mundo. Sem acepção. Sem escolhas pré-determinadas. Não temos o direito de sermos seletivos. Escolher a quem destinar a palavra de salvação. Julgar merecimento. Até, porque, ninguém merece, mas, todos precisam. E é isto que Jesus nos revelou em suas ações. Estava presente quando uma alma gritava por Ele. E, enquanto isto, os fariseus apontavam o dedo é diziam: - Este tipo de pecador não pode se encontrar com Deus. 

Certamente, endossaríamos a estática dos não “salváveis”. Louvado seja Deus, pelo fato de Jesus ter uma queda por gente imprestável. Caso contrário, pobre de mim.


domingo, 2 de julho de 2017

Além dos limites da vida

O que falta às pessoas não é força, e sim, vontade.
(Victor Hugo)


Há um conhecido ditado popular que diz: - “Cavalo dado, não se olha os dentes”.

Este jargão, se baseia no fato que para comprar um equino, faz-se necessária uma minuciosa inspeção no animal, e de acordo com especialistas, a arcada dentária tem muito a revelar, principalmente sobre a idade do alazão. Mas, se o cavalo for um presente, então é melhor ignorar os detalhes, e simplesmente aceitar a oferta.

Ouvimos este tipo de aconselhamento todos os dias, quando nossos líderes, amigos e familiares nos incentivam a “não perdermos" as oportunidades que a vida nos dá, ou voltando à metáfora inicial, “se o cavalo passar selado, não ter receio de montá-lo”.

Mas, será que todo presente deve ser aceito de bom grado?
Será que todo cavalo selado está indo na direção correta?

Moisés é um dos maiores exemplos no que tange a critérios para aceitar ou não as dádivas oferecidas. O hebreu que nasceu condenado a morte, viu sua vida dar uma guinada completa quando foi encontrado pela filha de Faraó. O até então moribundo escravo, seria alçado imediatamente ao posto de príncipe do Egito, antes mesmo que aquele dia com início fatídico chegasse ao fim.

Criado no palácio, desfrutando das regalias e comodidades destinadas apenas para a realeza, Moisés teve a oportunidade de crescer sobre a égide do império mais poderoso de sua época, recebendo treinamento político e militar, sendo preparado para assumir um lugar na linha de sucessão do trono. O que segundo alguns estudiosos, poderia ter acontecido antes mesmo dos eventos que o levaram ao exílio.

O cavalo dado a Moisés era simplesmente o "Trono do Egito", com todo o poderio e privilégios pertencentes apenas aos chamados “Filhos de Rah”. Para olhos pragmáticos, aquela era uma oportunidade irrecusável, destas que acontecem uma única vez na história, e, portanto, isenta de qualquer ação avaliativa. Moisés não pensava assim. No pouco tempo que esteve ao lado de sua mãe biológica, ele absorveu valores maiores que qualquer ambição terrena, e esta bagagem espiritual adquirida foi determinante para uma decisão surpreendente: 

- Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó...

O cavalo era imponente. Mas, seus dentes estavam pobres. A tradição egípcia determinava que qualquer aspirante a Faraó, deveria também ingressar na casta sacerdotal do Egito, imergindo de corpo e alma em sua religiosidade politeísta, repleta de misticismo e rituais pagãos. Esta, sem dúvida, seria uma viagem sem volta a obscuridade espiritual, que por fé, Moisés se negou a fazer. Mesmo que para isso, tivesse que abrir mão de seu “futuro” glorioso nas fartas planícies do Nilo.

Embora não seja possível precisar a qual dinastia Moisés pertenceu, a história egípcia registra alguns atritos ente uma certa rainha regente com os líderes religiosos de seu tempo, já que seu “filho adotivo”, se negava a ingressar na casta sacerdotal. Seria Moisés? É muito provável que sim.

Fato é, que a decisão de Moisés foi baseada em convicção, e não barganha. Até seria conveniente abrir mão de governar uma nação para liderar outra de maior relevância. Mas, o chamado de Moisés se deu décadas após sua renúncia. E a história escrita por Deus para sua vida, extrapolava os hieróglifos dos templos egípcios.

Moisés foi um homem notável e de atos memoráveis. Venceu batalhas épicas, atravessou o Mar Vermelho, tirou água da rocha, falou com Deus face a face. Porém, foi sua abnegação que o fez gigante. O escritor da carta aos hebreus, na antológica galeria de Heróis da Fé (Hebreus 11), ressalta os grandes feitos de homens e mulheres que transformaram o mundo. Quando fala sobre Moisés, embora cite alguns elementos de sua liderança, ele ressaltou o que fez do simples levita, um verdadeiro herói: Sua fidelidade

– “Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus, do que por um pouco de tempo, ter o gozo do pecado; tendo, por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa. ” (Hebreus 11:24-16)

E que recompensa seria está?

Certamente trocar o Egito por Canãa seria um negócio lucrativo.

É uma ideia agradável abrir mão de uma citação história na vasta galeria de faraós, pelo posto de maior líder da história de uma gigantesca nação.

Mas, e se depois de tanta renúncia, esforço e dedicação, o único prêmio recebido fosse uma morte solitária a poucos metros da terra prometida?

Muito se debate sobre os méritos e deméritos que convergiram para Moisés não ter o “privilégio” de entrar em Canaã. Porém, não encontramos no próprio Moisés, qualquer sombra duvidosa em relação a justiça divina. Ele não questionou a ordenança do Senhor para que subisse pelo caminho Pisga, e ali, no alto da montanha, ter seu derradeiro e definitivo encontro com Deus.

Moisés morreu, e isto é um fato. Pode até ser indigesta a ideia de um dos maiores heróis da fé ter “sucumbido” sem vivenciar em “loco” a grande promessa feita para sua gente. Israel não lidou bem com esta notícia, pranteando por mais de um mês. Seu sucessor imediato, Josué, precisou ser intimado por Deus a se posicionar como líder, pois certamente, ainda nutria uma esperança pelo retorno de seu mentor. Porém, Moisés jamais desceu a montanha.

Foi dali que ele pode contemplar toda a extensão da terra prometida e vislumbrar pelos olhos da fé a posição geográfica ocupada por cada tribo. No chamamento específico de Josué, a promessa de conquista feita por Deus se estendia até o poente do sol (Josué 1:4). O sol se põe exatamente na linha do horizonte, que por sua vez, pode ser definida como o limite do campo visual de uma pessoa. Em outras palavras, Deus estava dizendo ao jovem líder que sua capacidade de conquistar estava atrelada com o alcance de sua visão. Quanto mais longe se enxergar, mas território há para se expandir.

Neste ponto, Moisés tem como última missão de vida, “visualizar” toda a terra, legalizando previamente a tomada daquele território pelos hebreus.

No alto da montanha, Deus recolhe Moisés para seu merecido descanso. Judas 9 descreve a disputa verbal entre o arcanjo Miguel e Lúcifer, que se rivalizavam por causa do “corpo” de Moisés. Então, o próprio Deus, valendo-se da distração do inimigo, sepultou pessoalmente o corpo de Moisés em um dos vales de Moabe, guardado em sigilo perpétuo.

Porém, a morte não finalizou a grande missão mosaica, pois sua última aparição cronológica está registrada alguns séculos depois, em Mateus 17:1-9.

Neste evento, que também é mencionado em Marcos 9:2-8, Lucas 9:28-36 e II Pedro 1:16-18, Jesus convida seus três discípulos mais próximos para acompanhá-lo até o cume de um monte. Ali, diante de seus olhos, o Messias se transfigura em glória. De repente, duas figuras também glorificadas aparecem e passam a dialogar amigavelmente com Jesus.

Um deles é Elias.
O outro, Moisés.

Elias não experimentou a morte, mas foi arrebatado aos céus ainda em vida por um redemoinho (II Reis 2:11). Ele é um tipo da igreja, que ao som da última trombeta será transformada, e então arrebatada para encontrar com Jesus nos ares. Já Moisés, ali se faz presente representado as miríades de servos fieis que embora tenham encontrado a morte física, estão hoje repousando na glória, esperando o momento da ressurreição (I Tessalonicenses 4: 13-17).

Assim, este grande herói que tanto nos ensinou em vida, com a sua morte, planta em nossos corações, uma semente de esperança na glória, e a certeza que o melhor de Deus não se manifesta nesta terra, e sim na eternidade.

E como se toda esta riqueza espiritual não bastasse, ainda existe um aspecto pratico de grande relevância. Moisés nasceu no Egito, constituiu família em Midiã e peregrinou pelo deserto do Sinai. Morreu e foi sepultado em Moabe. Ele nunca conheceu a terra de seus antepassados, e jamais sentiu sobre seus pés o solo amado de Canaã.

Agora, séculos após sua morte, ali está ele, muito bem acompanhado e pés firmados sobre uma montanha fincada vigorosamente no coração de Israel. Finalmente estava na terra prometida. A morte não matou a esperança. Uma promessa de Deus não se intimida com a advertência de uma lápide. Mesmo morto e sepultado, Moisés entrou em Canaã. Os planos do Senhor para nós, vão muito além dos limites da vida.