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sábado, 11 de agosto de 2018

Senhas, filas e esperanças adiadas

Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio,
é melhor calar e esperar.
(Eduardo Galeano)


A vida é curta para se “esperar”, mas aqui estamos nós... esperando. 

Nem tudo está ao alcance das mãos. Inúmeras resoluções que tomamos só funcionam plenamente com a atuação de outras pessoas. Na maioria das vezes, depender do esforço alheio é um exercício de paciência que não estamos dispostos a praticar. E este é um ciclo vicioso... eu preciso que alguém trabalhe por mim e alguém precisa que eu trabalhe por ele. E todos acabamos travados. Estagnados. A espera não é opcional, e sim uma imposição deste labirinto sem saída que insiste em nos aprisionar.

Ninguém escapa. Estamos sempre esperando algo ou alguém. Cada etapa vencida nos leva a um novo patamar de espera. E assim a vida segue, entre nós que desatamos e novelos embaraçados que se emaranham em nossos pés. Uma corrida de obstáculos com balisses tão altas, que as vezes só é possível ficar parado, olhando para o alto, conformado com o ponto final imposto pelas circunstâncias. Na verdade, nenhuma barreira é totalmente intransponível, mas, encontrar formas de ultrapassá-las costuma consumir alguns anos de vida. E não se pode dar ao luxo de tamanho desperdício...

Exemplos...

A causa trabalhista atravancada pela morosidade da justiça brasileira, depende da boa vontade de juízes, advogados e promotores. Nenhum deles, está realmente preocupado com a necessidade imediata do pai de família desempregado. Como não dá para esperar que o feijão caia do céu, é melhor “deixar” para lá, e continuar trabalhando, onde e quando for possível. 

Um paciente no SUS vitimado por Cardiomiopatia Dilatada, precisa contar com a “morte” de inúmeros desconhecidos para que a “fila” ande e ele tenha a possibilidade de receber um transplante de coração. E mesmo assim, dependerá do bom trabalho de toda a equipe médica para sobreviver ao procedimento. Logo, é preciso viver um dia de cada vez, sem fazer planos a longo prazo.

Cenários de situações críticas muito além da “minha” capacidade de resolução, dependendo de pessoas bem mais capacitadas do que “eu”, para solucionar um problema que afeta especificamente a “mim”. E quer saber, quantos deles realmente se importam “comigo”?

É desoladora a sensação que permeia uma “espera” desesperançada. O “TALVEZ” que nunca se converte em “SIM”. A “esperança descrente”.  Marcar o amanhã no calendário sentindo que ele nunca vai chegar. No final do dia, o médico não lembrará do nome. O juiz já terá apagado o rosto da memória. Apenas mais um na multidão, endossando as fileiras dos desafortunados. E enquanto o mundo se mantem alheio as minhas necessidades, uma pergunta que nunca será respondida escapa pelos lábios trêmulos de aflição...

Até quando?

Enquanto escrevo estes parágrafos, percebo que trocando os termos “EU” por “VOCÊ” ou “MINHA” por “SUA”, não alteraria a empatia que busco estabelecer aqui. Na verdade, todos temos nossos “ATÉ QUANDO". Anos a mais, meses a menos, aqui estamos de mãos dadas, esperando que alguém lá do alto chame o número da senha. Todos na mesma sala, afligidos pelo girar descompassado dos ponteiros de um mesmo relógio. O que nos difere, é forma como encaramos o “tic-tac” impiedoso. Dias atrás, estava ministrando sobre o nascimento de Isaque, enfatizando o longo tempo decorrido entre a “promessa” de uma descendência e o primeiro choro de Isaque, herdeiro legítimo da aliança abraâmica. Neste momento, olhei para a igreja e lancei a pergunta retórica:

- Abraão esperou vinte e cinco anos para vivenciar seu milagre... Há quanto tempo você está esperando o seu?

Obviamente, o objetivo deste questionamento era ressaltar que por mais longa que seja a espera de uma pessoa, sempre haverá alguém com muito mais tempo de “fila”. Abraão esperou 1/4 de século por seu filho (...) - Será que não podemos esperar alguns anos também? (...) Quando terminei de formular minha indagação, pude ler com todas as "letras" o lábio de uma senhora sentada numa cadeira da primeira fila:

- Quarenta e dois anos ...

O “balbuciar” destes números inaudíveis foi uma das mais impactantes pregações que já “ouvi” na vida. Três segundos eternos onde Deus bradou com poder e glória reverberando em minha alma aquelas palavras inaudíveis... “Quarenta e dois anos”... 

Assim como você, eu também estou na sala de espera, estarrecido com o tamanho das barreiras e ansioso por ouvir meu nome no auto-falante. E para ser sincero, cogitei a possibilidade de abandonar o posto algumas vezes.  Já passei horas a fio na “montanha russa” da fé, deixando que sentimentos sazonais abalassem minhas mais profundas convicções. Em outras palavras, “cansei de esperar”... e contínuo me cansando. Mas agora, sempre que a “paciência” junta as malas e faz “ckeck-out” no balcão da alma, lembro-me daquela mulher de cabelos brancos que há mais de quatro décadas está na fila... sem jamais arredar o pé.  A geração  hebreia que saiu do Egito demorou menos tempo para cruzar as fronteiras de Canaã... eu ainda nem tinha nascido e ela já estava esperando seu milagre... enquanto penso em desistir das minha esperas, a senhorinha de olhar gentil segue firme confiando na fidelidade “daquele” que lhe fez a promessa... o Médico dos Médicos... o Advogado dos Advogados... o Juiz soberano que atua na última instância, e cuja sentença não se pode revogar.

- Há quanto tempo eu esperando? 

Bem menos que quarenta e dois anos... 

A lembrança deste número me constrange a não desistir. 
Mesmo que a espera insista em se prolongar.

Mas, não se sinta envergonhado por seus questionamentos pessimistas. Como bem disse Salomão em Provérbios 13: 12, “a esperança adiada enfraquece o coração”. O tempo é, de fato, um adversário que nenhum homem consegue derrotar. Neste embate, somos como um “sparing” inexperiente levando jabs do pugilista "peso pesado" que ostenta o título de campeão mundial. O desafio não é vencer, e sim, evitar o nocaute. Apanhar sem cair, e se cair, ainda ter forças para levantar. Cedo ou tarde, a espera termina, o sino toca, os golpes cessam e a perseverança é recompensada. Por enquanto, apenas se mantenha em pé a maior quantidade de tempo possível...  seja por um round ou pelos próximos quarenta e dois anos. 

Nunca dá para antever os prazos do PCP celeste, o que também não nos impede de questionar a demora da intervenção divina. Davi era um homem rico e muito bem-sucedido. Amado pelas mulheres, respeitado pelos a homens. Os inimigos tremiam ao simples pronunciar de seu nome. Nas ruas de Jerusalém, o povo louvava seus feitos em canções épicas. Ele não deveria ter motivos para temer o amanhã. e muito menos se angustiar pelo hoje.... mesmo assim, escreveu o Salmo 13... um bom Salmo para se manter na cabeceira da cama...

Até quando, Senhor?
Se esquecerás de mim para sempre?
Por quanto tempo não me revelarás seu rosto?

Até quando, Senhor?
Quantos dias de tristeza ainda me restam?
Porque não consolas meu coração aflito?
Minhas histórias de fracasso nunca terão fim?

Davi.... poucos homens lidaram tão bem com a espera. Esperou no pasto até ser chamado para a sala. Esperou a hora precisa para arremessar a pedra. Esperou Saul dormir antes de encerrar a música. Esperou na caverna até Deus lhe enviar para o palácio. Esperou em Hebrom até marchar para Jerusalém. Esperou anos a fio para novamente sentir o sabor dos lábios adocicados de Mical. Uma vida de espera compromissada e confiança comprometida. Mas agora, no auge da glória, no ápice do poder, alguém lhe impunha medo. Seu coração estava descompassado no peito, e a sensação de insegurança se prolongou além da paciência...

Até quando, Senhor? 
Meus inimigos já celebram a vitória e uma festa foi preparada para comemorar a minha derrota...

Até quando, Senhor? 
Apressa te em me mostrar a luz no fim do túnel, pois os meus olhos estão imersos em trevas...

Até quando, Senhor? 
Me mantenha acordado durante esta longa noite, pois estou quase adormecendo nos braços da morte! 

Sabe de onde vem a força necessária para sobreviver a mais longeva das esperas? Da esperança mantida em estado de alerta. E como fazemos isto?  Trazendo a memória o histórico de promessas já cumpridas por aquele que é fiel em cada palavra dita. Sem mentiras, engodos ou arrependimentos, e cuja fidelidade é bem maior que a todas as filas do mundo... enfileiradas. Seu agir não é limitado pelo excesso de senhas e seu poder não diminuiu com o passar dos anos. Controle absoluto desde as eternidades passadas. Nenhum segundo perdido no tempo ou nome abandonado no espaço vazio. Deus não perde hora e nem erra de endereço.

Davi entendia está verdade, mesmo num momento de absoluta angustia e incertezas. Ele fez uma escolha. Acreditar naquele que nunca lhe deu motivos para ter dúvidas. Os homens falham... Deus não! A burocracia humana procrastina... a justiça divina age com precisão milimétrica! Depender de Deus não implica em correr riscos. É a mais segura entre todas as garantias...  

Até quando, Senhor? 
Mesmo que eu ainda não tenha a resposta, confiarei no teu amor, e minha alma exultará em tua salvação... Ao invés de me lamentar pelas coisas que ainda espero, cantarei ao meu Deus por tudo que Ele já me tem feito! 

(Salmo 13:6 - Adaptação Livre).

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