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domingo, 29 de julho de 2018

Efeitos da Guerra

A maneira mais rápida de acabar com uma guerra é perdê-la.
(George Orwell)


A guerra não se importa com os inocentes. Ela simplesmente acontece, consumindo tudo e todos que estiverem em seu caminho. Um enxame de gafanhotos explosivos devastando os campos floridos. Flores em chamas. Vidas destruídas. Para apreciar a guerra é preciso lucrar com ela. Obter vantagens e benefícios com a tragédia alheia. Ambição para governar sobre escombros ou sede por sangue ainda aquecido. Gente comum quer mesmo é viver em paz. Longe do caos. Distante da morte. Mas, que escolha temos, quando num dia sangrento, acordamos em meio ao conflito? Nem mesmo quem aperta o gatilho (ou pilota o bombardeiro) gostaria de estar ali. É apenas o dever gritando tão alto, que nada mais pode ser ouvido. Logo, é preciso seguir em frente atirando, mantendo-se em pé o máximo de tempo possível. Instinto de sobrevivência em seu estado mais latente.

A mesma guerra que devora soldados, também se alimenta de civis. Todos são petiscos diante deste monstro faminto que vocifera ameaças e cospe fogo. Os noticiários da TV acompanham seu rastro inflamável, e de longe, sentimos pena das vítimas inofensivas, enquanto secretamente estamos aliviados pela sorte de não termos nascido na Síria, Iraque ou Sudão. E quando tiros ecoam nas favelas do Rio de Janeiro, somos gratos por este "não" ser problema de alguém que mora no "interior de São Paulo"... É bom estar longe de conflitos. Tão bom, quanto impossível. O monstro devorador de almas tem muitos filhos, com as mais variáveis aparências. Batalhas que lutamos sem perceber. Pelejas que nos destroem antes do café da manhã, e mesmo assim, seguimos com a rotina do dia. Ainda nem tomamos posição efetiva no “fronte”, e a alma já se tornou estatística militar. Mais um efeito colateral da guerra. Baixa civil que não muda o resultado do embate, porém destrói por completo um número incontáveis de vida.

Bombas caindo do céu. Telefones tocando na madrugada. Banker´s militares. Salas de emergência. Guerras diferentes, com resultados semelhantes. Conflitos externos que podem explodir o corpo de um homem em mil pedaços. Conflitos internos que fragmentam a alma de forma tão intensa, que reduzem a existência a uma casca humana recheada de pó. Não queremos tomar parte destas guerras, mas elas já estão dentro de nós, esperando a sirene tocar. O câncer de hoje, era apenas uma célula ainda ontem. O jovem viciado, já foi aluno da EBD.  A parada cardíaca, atingiu o mesmo coração que pulsava segundos atrás. Tudo estava indo bem, e de repente o céu azul se tornou negro. O zumbido dos aviões bélicos atordoa os sentidos e mal temos tempo para entender os acontecimentos. E então, a bomba cai. A casa construída com anos de esforço é imediatamente reduzida a escombros. E mais ogivas são lançadas. Inocentes correm em chamas, e não sabemos como agir. Ninguém nos preparou para isso. Não há armas nas mãos. A guerra abre sua bocarra e corre em nossa direção. E neste momento desesperador, apenas nos resta um grito incompreensível que ecoa sem resposta. Se nada há para fazer, então tudo já foi feito... Neste ponto, a tendência é simplesmente sucumbir sem esboçar qualquer reação efetiva.

Dias atrás estava numa situação parecida com esta. Não havia bombas caindo do céu, elas despencavam do teto. Bombas incendiárias. E como um escorpião coagido pelas chamas, lá estava eu, pronto para me golpear com o próprio aguilhão, inoculando na alma o amargo veneno da frustração. Neste instante, meu pai me ligou: - Está tudo bem, filho? Duas palavras depois e as lágrimas já brotaram no rosto. Sem maiores detalhes, apenas compartilhei com ele minha incapacidade de lidar com o conflito inesperado no qual fui “equivocadamente” inserido. Tudo o que eu queria era desertar, correr para casa e deixar a batalha para os soldados. Então, meu pai me lembrou de um pequeno detalhe que as vezes insisto em esquecer:

- Filho, você é um soldado! E se Deus permitiu que esta guerra chegasse a sua porta, é porque sabe que as arma necessária para o combate já está em suas mãos...

Simples assim. Eu não sou um efeito colateral da guerra. Nem mesmo uma vítima civil. Me alistei para esta batalha. Competi para estar vivo e venci. O mesmo se aplica a você. Todos somos vencedores natos, afinal, qual desafio pode ser maior que a corrida pela vida? E agora que já estamos aqui, cabe a cada um de nós escolher lutar as próprias guerras, ou ser engolido por elas. E pensando bem, se a batalha é minha, existe melhor opção que batalhar? Até, porque, ninguém vai enfrentar teus conflitos internos por você, e é exatamente na alma que as grandes vitórias começam a ser desenhadas.

Sempre que leio a história de Jó me sinto inferiorizado em relação ao patriarca. Tenho plena convicção que jamais suportaria a mesma provação sem deixar desmorecer minha fé. Acordar milionário e dormir mendigo? Chorar em dez velórios no mesmo dia? Se tornar uma ferida purulenta ambulante? Nada disto é para mim. Certamente perderia a batalha antes mesmo dela começar. Somente sendo Jó para sobreviver a tamanho infortúnio. Porém, ultimamente tenho pensado um pouco diferente. Será que Jó passaria pelas minhas provações com o mesmo destemor? E, sinceramente,  acredito que não... Longe de mim a ideia de ser melhor que o notável morador de Uz, simplesmente entendi que Deus confia a cada um de nós, batalhas que podemos vencer. A prova vem com meu DNA embutido nela. Na proporção exata a minha capacidade de retaliação. Jó lutou a sua com excelência.  Agora, preciso enfrentar a minha. 

Esta condição facilita o combate? Obviamente que não. Mas, com certeza equilibra as forças. É bom olhar nos olhos do adversário sabendo que o monstro desolador  não é páreo para você. E acredite, ele não é! Deus já te deu as armas para vencê-lo, mesmo que ainda não tenha percebido. Minha amiga Jusileine Beatriz conta que num momento de grande provação financeira, prestes a ser derrotada pelo desespero, se lembrou que tinha “algumas” habilidades que poderiam ser usadas para a confeitaria. E então, "partiu para a guerra armada com bolos e brigadeiros". E venceu. Se tornou a Jucy´s Baker. Mais forte. Mais preparada. Um tipo de super-heroína do mundo real cuja capa é feita de pasta americana. Em 2007 tive que lidar com uma terrível depressão. Se não bastasse a tristeza avassaladora, os efeitos dos remédios se revelaram mais desagradáveis que os sintomas da doença. Que guerra! Já quase hasteando a bandeira branca, descobri que as armas necessárias para o combate estavam na escrivaninha do meu quarto. Parti para a batalha usando papel e caneta. Nesta época, escrevi os primeiros rascunhos do que viria a ser o “QUANDO (NÃO) ENTENDO DEUS”. Matei quem estava me matando. 

Sei que não é fácil, mas, uma luz brilha forte no fim do túnel assim que fazemos esta descoberta. Deus já te entregou as armas que matam o monstro. Enfrenta-lo não é uma missão suicida! É uma decisão corajosa, baseada na confiança que o Senhor dos Exércitos é quem me capacita para a batalha.

Combates grandiosos. Escaramuças quase imperceptíveis. Guerra é guerra, não importando a nomenclatura. Um diagnóstico médico pessimista é como um contingente de mil soldados descendo contra um guarda de trânsito. A tristeza de um relacionamento desfeito se equipara a um encouraçado abrindo fogo contra veleiros de papel. O desemprego prolongado se assemelha ao cerco de um batalhão, impedindo que água e comida entre na cidade, levando seus moradores a definharem por fome e sede. São muitos os conflitos nos aguardando fora de casa, e tantos outros acontecendo debaixo deste mesmo telhado. E podemos vencer cada um deles. Temos ao nosso lado um Deus que é mais poderoso que os mais poderosos exércitos. Maior que todos os gigantes. A cura de qualquer enfermidade. A calmaria das mais intensas tempestades. O Senhor é a solução definitiva para os mais ferrenhos conflitos.

Em seu livro “O Deus Invisível”, Philip Yancey nós um inspirador testemunho que aponta para sucesso num contexto de evidente fracasso: - “Aprendi buscar a Deus e apoiar-me com convicção em sua graça, especialmente quando alguma área da minha vida está mergulhada em desastre.” Quando desenvolvemos este tipo de entendimento, o céu escuro se ilumina com o sol do meio dia. A verdade se revela fluente como um veio cristalino de água, mesmo que um rio de sangue ainda corra pelas trincheiras. A batalha pode até ser minha, mas a guerra não é. Certa vez, o oficial norte americano Douglas MacArthur declarou que somente os mortos conheciam o fim da guerra. Quando disse esta frase, certamente retirou Deus da equação...  

Deus é meu refúgio e minha fortaleza... Ele é meu socorro em tempos de aflição. Por isso não devo ter medo, mesmo que o mundo desmorone a minha volta e as montanhas sejam devoradas pelos oceanos... Os governos irão se inflamar e as nações sempre terão motivos para o conflito, porém, basta que o Senhor erga sua voz para a terra engolir cada um deles... Preciso me lembrar do que Deus pode fazer. Ele é quem põe fim as guerras. Destrói as bombas e corta ao meio as metralhadoras. Queima com seu fogo  "F-22 Raptor" e tanques "M1 Abrans"! Devo apenas me preparar para as minhas batalhas, deixando que o meu Deus lute por mim as minhas guerras! O Senhor dos Exércitos está ao meu lado! O Deus de Jacó é o meu protetor! (Adaptado do Salmo 46)

Se a guerra é inevitável, vencê-la é uma questão de escolha. Basta fazer uma visita no arsenal. Deus já nos confiou as armas específicas com as quais enfrentaremos cada combate diário. As chamadas “Batalhas Possíveis”. E quando a "guerra" bater na porta, e nossa artilharia tornar-se inoperante, nada de desespero. No momento em que uma bomba chamada “impossível” é lançada contra a minha vida, a presença de Deus se revela a mais poderosa dentre todas as armas. Defesa intransponível e ataque inerrante. A única com a capacidade de finalizar definitivamente todos os conflitos. E ela já está aí com você, disponível para uso imediato. Porque não lançar mão agora mesmo? Como bem disse o Pr. Eduardo Silva, “ao homem cabe as vírgulas tristes de uma história, mas é Deus quem coloca um ponto final de alegria! ”


quinta-feira, 19 de julho de 2018

Trocam-se lágrimas por sorrisos


As lágrimas são o supremo sorriso.
(Stendhal)


Um dia a lágrima disse ao sorriso: - Invejo-te porque vives sempre feliz. O sorriso respondeu: - Engana-te, pois muitas vezes sou apenas o disfarce da tua dor. Não sei exatamente quem escreveu este dialogo, mas certamente entendo o que cada palavra representa. Tristezas e alegrias se alternam com tamanha frequência, que por vezes, ficamos confusos sobre qual é o sentimento dominante em momentos decisivos da vida. E perdidos nesta dicotomia emocional, tentamos encontrar embasamento palpável para aquilo que apenas se sente. E neste ponto, tudo parece ser "oito" ou "oitenta". Apenas confrontos internos ao invés de uma sinergia entre os sentimentos. Dizem que é preferível fingir um sorriso do que derramar uma lágrima verdadeira. Não é. Ambos (sorrisos e lágrimas) possuem beleza semelhante, e quando plantados (enxertados) no solo correto, geram frutos de sabor adocicado. Se sorrir faz bem, chorar não causa mal. Basta encontrar o ponto de equilíbrio, e não viver de extremos. A vida jamais pode ser pautada apenas em lágrimas ressentidas ou sorrisos inconsequentes. Chorar ou sorrir nos momentos oportunos mantém a mente longe da insanidade.  

Sempre que me encontro em meio a uma escassez de sorrisos, ponho-me a recordar de todos os motivos que já tive para chorar. E por mais paradoxal que possa parecer, o riso não demora a chegar. Duvida? Pois faça este mesmo exercício de memória. Lembre-se de suas lágrimas mais ressentidas e dos motivos por trás de cada uma delas. A causa de alguns de nossos maiores sofrimentos em dias passados, pode muito bem ser fonte de inspiração para boas gargalhadas ainda hoje. Ou, talvez, apenas o gatilho para aquele sorrisinho acanhado que somente quem lembrou, mas preferia esquecer, consegue identificar. Pouco importa. Se por um instante o bom humor acenar na janela, acene de volta e o convide a entrar. É maravilhoso receber a felicidade como hóspede.

Não estou dizendo que chorar é ruim, e nem que lágrimas devem ser banalizadas. Longe disto. Quero apenas te lembrar que nenhuma tristeza dura para sempre. Enlutamentos não são eternos. Dores crônicas (no coração e na alma) podem ser erradicadas (ou atenuadas) com o uso correto de um analgésico chamado “TEMPO”. E mesmo que pareça improvável, lágrimas podem ser trocadas por sorrisos verdadeiros, desde que os ciclos sejam respeitados. Para cada noite de tristeza, sempre haverá uma manhã de alegria. Elas se completam. Forjam nossa essência. Moldam o caráter, como se fossem a maré esculpindo a encosta de uma ilha.

Lágrimas nos levam a reflexão. Sensibiliza a audição humana no que tange a voz de Deus. Liquefaz o coração. E talvez este dilaceração emocional seja o primeiro passo para a reconstrução de uma alma em cacarecos. É melhor um sorriso fingido do que lágrimas verdadeiras? Quanto engano. O choro pavimenta a estrada dos mais emblemáticos recomeços. A dor é uma chave mestra abrindo portas que sequer sabíamos existir. 

Deus interpreta nossas lágrimas, e com isso entende a intensidade de nossa dor. Lágrimas são frases para Deus. Quando não temos mais forças para orar e só conseguimos chorar aos pés do Senhor, Ele não só ouve o nosso clamor sem palavras, como também recolhe todas as nossas lágrimas em seu precioso tesouro. Mas, por ser fiel ao nosso livre arbítrio, o Senhor só recolhe para si, as lágrimas que lhe entregamos voluntariamente. Então, a grande questão é: -  Para quem temos chorado? 

Em II Reis 4, encontramos a história de uma mulher lidando com a morte do próprio filho, e que pode nos ensinar algumas lições sobre o choro produtivo.

O profeta Elizeu fazia questão de caminhar pelas ruas de Suném durante suas peregrinações até o Carmelo.  Esta rotina anual, não passou despercebida por uma das moradoras locais. Percebendo que o profeta tinha o hábito de passar próxima a sua casa e reconhecendo que ele era de fato um homem santo; essa hospitaleira sunamita, cuja identidade sequer foi revelada, convidou ao profeta para realizar refeições regulares em sua casa. Não sendo isto o bastante, ela convenceu seu marido a construir um cômodo extra no segundo andar, próximo ao muro da residência, para que Elizeu pudesse se hospedar com conforto e privacidade. O profeta do Senhor, consternado com tamanha hospitalidade, sentiu a necessidade de retribuir o favor. A mulher era estéril e nada melhor que um filho para alegrar a casa, então ela recebeu de Elizeu a seguinte promessa: - No próximo ano, nesta mesma data, terás um filho em seus braços. 

Sua palavra foi tão poderosa que naquela mesma noite o marido se tornou fértil, e a mulher foi curada de sua esterilidade. Porém, passados alguns anos, de forma repentina, o menino teve uma dor de cabeça muito forte. Ela tomou a criança em seus braços, e passou as horas seguintes clamando ao Senhor pela cura de seu filhinho. Aquela mulher, certamente não contava com o óbito da criança, pois tinha certeza que Deus não tiraria o presente que lhe fora dado, sem ao menos que ela tivesse pedido. Mas, a tragédia inesperada bateu em sua porta. Por volta do meio dia, o menino faleceu e com ele as esperanças de cura. Porém, a sunamita não desistiu. Se a cura não era mais possível, que o impossível acontecesse. Se a enfermidade venceu, a morte teria que ser derrotada. E ela iria até as últimas consequências.

Sem alarmar ao marido, a mulher levou seu filho já sem vida até o quarto construído para o profeta (subindo escadas). Enxugou o seu choro, e disse ao esposo para não se preocupar, pois “tudo estava tudo bem”. Depois, caminhou confiadamente por cinco quilômetros até o Monte Carmelo, onde o profeta realizava suas orações. Ao vê-la se aproximando, o profeta percebeu sua aflição de espírito, mas não recebeu de Deus a revelação do ocorrido. Elizeu ordenou que Geazi fosse ao seu encontro e a indagasse sobre como estariam os membros de sua família.  - Como vai você? Como vai seu marido? Como vai seu filho? E as respostas ainda dadas por ela, ainda soam surpreendentes. -  Bem... muito bem... Vai tudo muito bem!

Aquela mulher entendeu a necessidade de ser forte, e manter inabalada a sua fé, certa de que nada estava perdido, e que se Deus lhe havia dado um filho, nem mesmo a morte poderia tirá-lo dela. Com esta crença, se manteve inabalável por fora, ainda que estivesse aflita em seu interior. A sunamita não perdeu tempo com reclamações, indagações e questionamentos. Tampouco gastou suas lágrimas com inutilidades ou lamúrias com quem nada poderia fazer por ela. Mas, diante do profeta, representante de Deus na terra, a mulher descortinou seu coração e as lágrimas rolaram em sua face.

Ela chorou pra Deus. Ao tocar o chão empoeirado de Suném, suas lágrimas provocaram tremores nos céus. O Senhor recolheu cada gota salgada num frasco dourado. E efeito deste choro produtivo? ALEGRIA! Ela recebeu seu filho de volta para vida. O odre celestial transformou lágrimas em milagre!

Deus não se contenta em apenas recolher nossas lágrimas. Ele as transforma em sementes produtoras de sorrisos. A nossa vida é um ciclo constante de longas noites de choro, seguidas de manhãs de imensa felicidade. Significa que estamos vivos, que nosso coração pulsa, que nossa alma sente e que nosso espírito ainda clama por Deus. O choro é uma estrada que nos leva de volta ao Senhor. Basta querer caminhar nela. A jornada pode não ser fácil, mas, nos torna mais fortes.

E quer saber? O real valor de um sorriso é medido exatamente pela quantidade de lágrimas derramadas antes dele. Só assim temos parâmetro. Então, chore. Sem receio, mas com responsabilidade. Não tempere suas lágrimas com pitadas de ódio. Apenas deixe-as rolar, enquanto lavam a alma e o coração. Que cada momento de tristeza seja um sacrífico apresentado diante do Altar do Senhor! Deus nos dá força e esperança para transformar lamentos em cânticos, e motivos para deixar em casa os "trapos da tristeza", e sair pelas ruas trajando vestes ! Cada lágrima, vale um sorriso (Salmo 30:11).

terça-feira, 10 de julho de 2018

Muito além da espera

Para quem sabe esperar, tudo vem a tempo.
(Clément Marot)


Um homem estrangeiro vindo de terras longínquas bateu na porta da casa de Betuel com uma proposta muito suspeita: - Quero levar sua filha para meu país, onde ela se casará com o senhor de nossa terra. Como gesto de boa vontade, darei a vocês algumas jóias, peças de ouro e prata, além de belos vestidos para as damas da casa. Imediatamente, todos os olhos se voltaram para o centro da sala onde a belíssima Rebeca se mantinha serena apesar de todas as pressões emocionais que a cercavam.

- Você quer ir embora com este homem? – Perguntou o pai.

- Sim. Eu quero! – Respondeu a moça sem nenhuma dúvida na voz.

Estaria a incauta jovem embasando sua decisão em impulsos carnais e intuição cognitiva? Seria prudente uma donzela da Mesopotâmia embarcar numa jornada cega por planícies desérticas em direção à uma terra desconhecida para se casar com alguém que ela sequer tinha certeza da existência? E se o “servo” dedicado fosse apenas um milionário psicopata em busca de satisfação e prazer mórbido? Caso a história fosse verdadeira, o fato de procurar uma esposa num lugar tão distante, não tornaria o “tal” noivo num potencial suspeito? Se o “herdeiro” de Abraão era um ótimo partido, porque as mulheres da sua terra não se candidataram ao posto de “Lady Isaque”? Seria ele, um homem violento? Estaria o anonimato escondendo um rosto deformado? 

Tantas questões...

Rebeca não tinha resposta para estas perguntas por um único e óbvio motivo. Ela não fez questionamentos. Estava absolutamente certa da decisão. Sua resposta positiva ao convite de Eliezer não refletia desejos efêmeros ou ambições futuras. Era o resultado de uma escolha feita por ela muitos anos antes. Afinal de contas, quem opta pela espera consciente, entende muito bem a lógica de uma oportunidade única.

Na verdade, esta não é uma história de decisões instintivas e inconsequentes. Cada “SIM” foi provado, testado e conferido antes da afirmativa ser pronunciada. Todas as dúvidas já haviam sido disseminadas durante o tempo da espera, submetidas ao crivo da vontade de Deus. E quando isto acontece, a possibilidade de erros crassos é reduzida para “zero”. Porém, antes de qualquer “benefício”, uma série de aparentes prejuízos colocam em cheque este estilo longânime de viver a vida. Renúncias. Resignações. Isolamento Social... Paciência, muita paciência. E talvez esta seja a maior das dificuldades.

Somos apressados por natureza, pois já nascemos condenados a morte. Com a urgência dos dias, é preciso “matar” o leão de hoje, com a alcateia arranhando a porta da sala. Então, corremos. Aceleramos rumo ao futuro escolhendo entre as opções que já foram apresentadas, sem ao menos ponderar que ainda existem possibilidades mantidas em segredo. Este é o grande dilema. Agilidade no “hoje” para assegurar o “amanhã”, ou paciência para esperar o “amanhã” e nele garantir um “futuro” muito mais profícuo?

Estamos todos expostos a esta rotina de escolhas impactantes e impactadoras, mesmo que elas se revelem diferentes para cada um de nós. Você não entende minhas escolhas e eu não entendo as suas. Rebeca também passou pela encruzilhada das decisões e por muito tempo conviveu com os percalços da rota escolhida. Como homem (dotado de senso pragmático e visão objetiva) não tenho a sensibilidade necessária para entender os sacrifícios pessoais feitos por Rebeca. Logo, tenho dificuldades em desenvolver empatia por suas convicções. Exatamente por isto, prefiro observar o comportamento da garota mesopotâmica por olhos mais sensíveis. Tempos atrás, li um ótimo texto escrito pela minha amiga Élita Pavan sobre o “a beleza da espera” onde ela faz a seguinte análise sobre Rebeca:

Rebeca era uma jovem solteira, belíssima, bondosa e obediente. Cuidava das ovelhinhas de seu pai. Era hospitaleira, agradável e prestativa. Rebeca não reclamava por não ter um companheiro e nem sofria com isso. Rebeca ocupava seus dias servindo ao Senhor! É evidente que Rebeca tinha a postura de uma legítima Mulher de Deus. Estava “sendo produtiva” quando foi encontrada pelo empregado de Isaque, e ainda se revelou “serva” quando lhe serviu água.  Este comportamento, fez o servo entender que ela era a mulher perfeita para seu senhor. A esposa que Deus tinha escolhido para Isaque. Em nenhum momento vemos Rebeca se “oferecendo”, mas sim esperando, mesmo sem saber “se” e “quando” seria encontrada. Ela não precisou insinuar-se para seu pretendente, enviar mensagens instigantes pelo WhatsApp, postar fotos sensuais no Facebook, realizar longas chamadas telefônicas melosas ou marcar encontros privativos para um “melhor conhecimento”. Ela simplesmente estava convicta de sua escolha e fez a parte que lhe convinha fazer. ESPERAR. Deus também fez a parte dele, e na hora certa, agiu em seu favor. Ela se preservou e o Senhor a honrou. Era linda, jovem e inteligente. Uma nora desejável e uma esposa sonhada por dez em cada dez homens de sua terra. Mesmo assim, não se sentia mal por não ter um esposo ou um casamento já arranjado pela família... Ela entendeu que havia um tempo para cada coisa acontecer em sua vida. E no tempo certo, tudo aconteceu...

Se a perseverança de Rebeca é louvável, outros personagens não se fazem de rogado no mesmo quesito. A começar pelo contraponto desta história. Isaque nasceu no crepúsculo da vida de seus pais. Abraão e Sara já formavam um casal centenário enquanto o pequeno herdeiro derrubava as botijas de farinha pela tenda. Os dias de “família feliz” seriam escassos. Assim, Isaque também fez uma escolha de vida altruísta, optando por cuidar de seus pais, ao invés de pensar em encontrar uma parceira para constituir sua própria prole. Ele já era um homem na casa dos quarenta anos quando Sara morreu. A ausência da mãe lhe roubou o sorriso, e foi presenciando a tristeza do filho, que Abraão achou prudente lhe arranjar um casamento.

E neste ponto, temos mais uma lição de perseverança, paciência e certeza daquilo que “se quer” em “sujeição” a vontade de Deus. Abraão não queria que Isaque tivesse como esposa uma mulher aleatória escolhida pelas conveniências culturais. Aquele não seria um casamento baseado em barganhas políticas ou lucros financeiros. Em Isaque seria ratificada a Aliança Abraâmica, logo, ele precisaria estar ladeado por uma mulher condizente com os termos da promessa. Então, o patriarca chamou seu servo de maior confiança, e o recomendou que fosse até a Mesopotâmia, e dentre a parentela de Naor, escolhesse uma esposa para seu filho. Desta maneira, a pureza da linhagem estaria preservada e a semente de obediência plantada por Abraão em Ur dos Caldeus, seria regada por fé, afeto e amor.

- Eliezer, meu servo... Vá até a casa de meus parentes, e encontre entre as filhas daquela terra, uma mulher para ser a esposa de meu filho.

- Mas como saberei qual é esta mulher, meu senhor? – Perguntou Eliezer

- O Deus que me tirou da casa de meus pais vai enviar um anjo que te ajudará nesta escolha. Apenas jure pelo Senhor que, de boa vontade, trará uma donzela honrada para constituir família com Isaque!

- Eu juro! - Respondeu o servo! – Mas, e se eu encontrar a mulher perfeita para seu filho, e ela se recusar a viajar comigo? Devo levar Isaque até ela?

- Não, meu bom servo. Isaque jamais deverá regressar para a terra de meus antepassados. Se a moça escolhida se negar a te acompanhar, você estará livre de seu juramento.

Sem etapas queimadas. Nenhuma imposição autocrática. Olhos no futuro sem arrependimentos pelas escolhas obedientes do passado. Tudo a seu tempo. Sem força ou violência. Apenas o Arquiteto do Universo delineando com paciência seu plano magistral. Peças importantes colocadas em pontos estratégicos da história. O “SIM” não foi uma resposta aleatória que emergiu no calor das emoções. Ele já estava escrito nos primórdios da criação, e Rebeca soube esperar o momento certo para dizê-lo. Ela não gastou o corpo e as emoções com prazeres efêmeros e paixões sazonais. Perdeu a conta de quantos “NÃOS” distribuiu para aventureiros antes que um único e decisivo “SIM” redefinisse a história de sua vida e assegurasse o destino de toda uma nação.

E o que falar do servo de Abraão?

Quando Eliezer chegou na cidade de Naor, não saiu afoito batendo de porta em porta como era de se esperar. Não foi buscar referências junto aos homens assentados na praça. Se manteve longe de bordéis e templos religiosos. Não seria enganado por fachadas ou sussurros tendenciosos. Muitas moças se vislumbrariam com o conto do “príncipe encantado” de Canaã. Seria fácil encontrar uma aspirante a princesa, cheia de sonhos fúteis e repleta de alienações para com os planos de Deus. Mas, o foco não era este. Seria preciso encontrar uma verdadeira rainha, mesmo que não houvesse qualquer coroa no contrato de casamento. Ciente de sua responsabilidade, Eliezer escolheu o caminho da perseverança, e colocou nas mãos de Deus o poder da decisão. Assentou-se na entrada da cidade, junto a fonte de onde as moças retiravam água para suas famílias. Depois de observar o intenso movimento, e reconhecer a incapacidade de realizar um julgamento justo, no cair da tarde ele orou ao Senhor:

- Deus de Abraão... Permita-me ter sucesso ainda hoje! Seja bom para com meus senhores Abraão e Isaque... Estou eu aqui ao lado desta fonte, e as moças da cidade de aglomeram para retirar água. Dei-me a graça para reconhecer aquela que agrade tua vontade... E então, eu lhe pedirei um pouco de água, e a tua escolhida dará de beber a mim, e ainda se oferecerá para dar de beber a todos os camelos.

Sabe o que Bíblia não revela? Quantas moças já tinham ouvido este pedido antes da oração. Particularmente, acredito que foram muitas, afinal, nenhuma benção “épica” bate em nossa porta sem provações prévias. Quantas disseram não? Quantas foram gentis com o viajante e solicitas lhe serviram da água do poço? Mas, se voluntariar para a ingrata missão de matar a sede da cáfila composta por camelos exauridos pela viagem, já seria bondade demais.... Este, sem dúvidas, não era (ainda não é) o trabalho adequado para uma dama.... Idas e vindas a parte, certo é, que antes mesmo que o "amém" da oração fosse dito, Rebeca já estava junto ao poço. Que beleza radiante! Olhar meigo. Traços finos como se fossem esculpidos a mão por um exímio artista. A resposta personificada de uma prece. A recompensa de toda espera. Ou seria apenas mais uma moça de aparência marcante e conteúdo nulo?

Se Rebeca era a resposta para a oração de Eliezer, Isaque era a resposta para as orações de Rebeca. E o tempo da espera estava se findando. Porém, a promessa nunca vem com placa de identificação. É preciso reconhece-la. O príncipe não veio montado num cavalo branco. Ele ficou em casa, e em seu lugar foram enviados camelos sedentos. Antes da aliança circular o dedo anelar, seria preciso calejar as mãos carregando o cântaro. Quando Eliezer se aproximou de Rebeca, ela sorriu gentilmente. Precisou se conter para não a chamá-la de “My Lady”. – Moça! - Disse ele.  - Poderia me dar um pouco desta água?

- Pois não, meu senhor.

Rebeca percebeu o cansaço do homem, o desgaste da comitiva e a fadiga dos animais. Imediatamente se compadeceu dos viajantes. - Beba o quanto desejar, bom homem... Você e seus companheiros de jornada.. Enquanto isto, vou dar de beber aos teus camelos...

Sabe quantos litros de água são necessários para matar plenamente a sede de um camelo? Cem litros. Eliezer tinha dez camelos para serem abeberados. Tenho certeza que você mentalmente já fez as contas. Um único cântaro nas mãos para retirar mil litros de água do poço. Quantas viagens foram feitas pela moça? Enquanto corria de um lado para o outro, Eliezer a observava com um sorriso no rosto. Estava certo que o Senhor tinha “coroado a sua missão”. A joia desta coroa tinha nome. 

Como paga por seu trabalho voluntário, a moça recebeu duas pulseiras de ouro. Ela ainda não sabia, mas a devoção de toda uma vida estava começando a ser recompensada de forma gloriosa. - Diga-me, minha jovem.... Qual é teu nome? Quem são teus pais? Haveria lugar em sua casa para que minha comitiva pudesse passar a noite?

- Meu nome é Rebeca... Sou filha de Betuel... Meus avós se chamam Milca e Naor... Nossa casa é grande e certamente serão bem acolhidos pela minha família.

Ao ouvir estas palavras, Eliezer não se conteve. Em lágrimas ele caiu com o rosto ao chão, adorando e agradecendo ao Deus de Abraão: - Bendito seja o Senhor, Deus do meu senhor Abraão, que para sempre é bom e fiel. Ele me conduziu em segurança para dentro da casa a qual foi instruído a visitar!

A família de Raquel era importante. Seu irmão mais velho se chamava Labão. Ele pessoalmente hospedou Eliezer. Durante toda a noite conversaram sobre as bênçãos que o Senhor derramou sobre a vida de Abraão. E todos se admiraram com os relatos de Eliezer sobre seu encontro com Rebeca. Deus a havia escolhido para ser esposa de Isaque. Mãe de muitas tribos. Herdeira de uma grandiosa promessa... Betuel tinha autonomia para decidir o futuro da filha, mas se calou. Labão poderia opinar sobre o futuro da irmã, porém se manteve em silêncio. Reconheceram que os planos de Deus são bem maiores que planejamentos familiares. E mais... Conheciam Rebeca. Sabiam de sua índole. Respeitavam sua voz. Caráter. Postura. Comportamento. Então, a moça foi chamada para a sala. O direito de escolha pertencia somente a ela.

- Você quer ir com este homem, Rebeca?

Sem pausas dramáticas...

- Sim! Eu quero! Eu vou!

A viagem seria longa. Terra desconhecida. Casamento com um estranho. Nada disto abalava Rebeca. Uma vida de espera lhe dava certeza da escolha realizada. Quando se aproximava do acampamento de Abraão, a moça viu um homem que caminhava sob o sol por entre as plantações: E com o coração disparado no peito, perguntou aos "seus" servos: - Quem é ele?

- Aquele homem?  Ele é Isaque...

E então Rebeca cobriu seu rosto com o véu.... 

Como bem escreveu minha amiga Élita Pavan, "todo fruto delicioso amadurece lentamente, frutas fora do tempo, além de serem rançosas, ainda fazem mal para a saúde". Espere o tempo da colheita! Aguarde os campos estarem em flor... Rebeca e Isaque são duas rosas que brotaram em diferentes jardins, mas Deus os uniu no mesmo bouquet. Ela se apaixonou pela silhueta de Isaque antes mesmo de abraçar seu corpo bronzeado pelo sol. Isaque se apaixonou por ela, antes mesmo de contemplar seu rosto de olhos vividos e afetuosos. Nada de amor à primeira vista... Amor depois de muita espera... Amor que surge no horizonte e se aproxima lentamente, não deixando espaço para medos, dúvidas e indagações... Amor que é bem mais que um mero sentimento... É a resposta definitiva para as mais sinceras orações!


Texto adaptado do relato bíblico de Gêneses 24

terça-feira, 3 de julho de 2018

Alguns minutos a mais

Viver é a coisa mais rara do mundo. 
A maioria das pessoas apenas existe.
(Oscar Wilde)


Nunca ouvi um morto reclamando sobre as rotinas do dia a dia. Somente os vivos possuem este direito “quase” sagrado de balbuciar desgostos e tristezas sobre as mazelas da existência. Em outras palavras, “como é bom estar vivo para poder reclamar da própria vida”. E não é esta, uma ironia sem tamanho? Porque colocamos tantos obstáculos entre o “agora” e a “felicidade”, uma vez que ser feliz, não é de fato tão complicado assim?

O problema é que somos exigentes demais. Nos norteamos pelo sucesso alheio e o resultado é uma frustração que parece nunca ter fim. A verdade, é que nesta busca incessante pelo “tudo”, “nada” é suficiente. O sonhado “carro” do ano deixa de existir alguns meses após a compra. A casa projetada por décadas torna-se monótona depois dos primeiros anos. O celular de última geração mostra-se obsoleto na manhã seguinte. Exatamente por isso, cada conquista é quase sempre seguida por uma crise existencial. Quando se chega a um destino previamente determinado, deixa-se de ter um lugar para ir, e a vida, parece perder o sentido. Fracasso decorrente do sucesso. A tristeza irradiando da alegria. Vai entender.... O desejo de ser feliz, faz com que a maioria de nós se torne triste. Parafraseando Tiche Nhat Hanh, "não existe caminho para a felicidade... A felicidade é o caminho". Andamos sobre esta estrada sem olhar para baixo, e quando percebemos já estamos quilômetros fora da rota. E como bem sabemos, "buscas" incorretas produzem "encontros" desastrosos. 

Exatamente por isso, a beleza da jornada consiste em apreciar o caminho. Observar as placas. Perceber o sutil tocar da brisa no rosto e sentir o atrito entre os pés e o chão. Belas paisagens. Dores inquietantes. Evidências plenas que estamos vivos. Felicidade em cada passada, não no final do percurso.  E não há maior conquista do que acordar pela manhã vislumbrando as possibilidades de cada alvorecer. Erros para ser corrigidos. Acertos esperando novas tentativas.

Mas, ao invés de aproveitar as páginas em branco para escrever nupérrimas histórias, gastamos folhas e grafites (raros) rascunhado desdéns e murmúrios rancorosos. Sorrimos ao ver a lágrima alheia e choramos ressentidamente pelo sucesso de outras pessoas. Perdemos horas preciosas cuidando (improdutivamente) da vida de alguém, enquanto o mundo a nossa volta desmorona sem qualquer intervenção construtiva. E então, de repente, percebe-se que o bonde passou e não embarcamos nele, mesmo tendo o bilhete (já pago) nas mãos.

O tempo urge. A vida passa. Os dias voam. E enquanto isso, o que fazemos? Recentemente fui consultar uma data no calendário do escritório, e só então percebi que a primeira página remontava a dois meses atrás. A rotina se espreme dentro de agendas apertadas, e quando damos conta, os meses já se tornaram anos. Na ânsia pela vida, esquecemos de viver. E cada segundo desperdiçado escoa para os ralos do passado, onde jamais poderão ser tocados outra vez.

Quer um conselho? Deixe o passado para trás e espere o futuro acontecer. Viva o hoje, entregando para Deus o ontem e o amanhã. Anos atrás, estava almoçando no restaurante da empresa em que trabalhava, quando uma equipe especializada na montagem de estruturas verticais sentou na mesa ao lado. Todos estavam cheios de disposição, rindo alto de piadas despretensiosas e fazendo planos para a próxima viagem. Entre eles, um rapaz de aproximadamente vinte anos se mostrava o mais sorridente e vivaz, realizado com seu primeiro emprego "com registro na carteira". Logo após o almoço, enquanto desmontavam o protótipo de uma torre de telefonia móvel, o cinto de segurança daquele moço se soltou da estrutura, causando uma queda de vinte metros. Morte instantânea. Tragédias costumam mandar avisos com apenas alguns segundos de antecedência. Entre a “notificação” e a “cobrança”, não existe tempo de contra-argumentar.

Desde aquele fatídico dia, sempre que me vejo diante do "prato", faço questão de apreciar cada nuance da refeição, mesmo que seja arroz sem sal e ovo estalado. Sabe o porquê? É que talvez ela seja a última. Nunca vou ter certeza... E aqueles cinco minutinhos de pura preguiça que a função “soneca” do despertador nos presenteia todas as manhãs? Aproveite-o. Não existem garantias que você irá voltar para a cama ao anoitecer. Se a vida fosse um ensacado de biscoitos, o “agora” seria a “última bolacha do pacote”. Preciosa demais para ser banalizada. Valiosa demais para ser ignorada. Simplesmente, não desperdiçável...

Alguém muito sábio, descreveu a vida como uma peça de teatro que não permite ensaios, e que exatamente por isso, faz se necessário cantar, chorar, sorrir e viver intensamente, antes da cortina fechar e a peça terminar sem aplausos. Metáfora perfeita. Por vezes ficamos tão obcecamos com o protagonismo, que esquecemos de desempenhar o papel fundamental que nos foi reservado. E a vida não é pausada cada vez que (por preciosismo) declinamos de vivê-la. As areias do tempo continuam escorrendo por entre os dedos, mesmo que a mão se mantenha fechada. Como bem disse o escritor romano Lúcio Aneu Sêneca: - “Apressa-te a viver bem, e pensa que cada dia é, por si só, uma vida! ”

Quando Jesus reuniu seus discípulos para a última ceia, sabia muito bem das intenções de Judas Iscariotes. Assim que o jantar terminasse, ele iria até os sacerdotes receber suborno para indicar o local secreto onde Cristo fazia suas orações. Ali, longe da multidão, o jovem rabino de Nazaré poderia ser preso sem que o povo intervisse em seu favor. Porém, antes mesmo que o discípulo traidor comesse o primeiro pedaço de pão, Jesus foi categórico na ordem: - Judas, o que você tem que fazer, faça depressa! (João 13:17).

E se existe pressa até para fazer o que é mal, porque somos tão letárgicos na pratica do bem?

Viva a vida, e a viva agora. Este é o único momento onde você tem controle sobre a própria existência. Ontem já foi e não volta mais. Amanhã ainda não é, e talvez nunca chegue a acontecer. Mas o “hoje”, este é real, tangível e maleável. Dá para fazer diferente e ser diferente. A vida em movimento e movendo-se para frente. O novo deixando para trás o velho. A sabedoria sobrepujando a imaturidade. Os planos de Deus sendo maiores que as ambições humanas. Em cada derrota, um aprendizado. Em cada queda, um recomeço. Basta a cada dia o seu mal, e que cada mal desapareça antes do fim de cada dia. Carlos Drummond já dizia que ser feliz sem motivos é a mais autentica forma de felicidade. Então, distribua sorrisos. Mesmo se não houver motivos para sorrir.

Quer saber? Aprenda equilibrar a balança. Está ciente que quando se levantar, seu dia de trabalho será terrível? Então faça o último minuto na cama valer a pena. Sorria para vida mesmo que ela feche a cara para você. Quebre-a com cordialidade. Vão gritar no seu ouvido? Antes disto acontecer, sussurre palavras de carinho para as pessoas que você ama. Crie reservas de bondade para não morrer de fome neste mundo mal. Não procrastine o que realmente é importante. Não se omita diante da responsabilidade de espalhar luz num ambiente de trevas. Se o mundo está coberto de cinzas, inunde-o com cores vividas e brilhantes. Você pode. É Filho de Deus. Embaixador do Reino dos Céus, onde impera a paz e a alegria. Então, para que a carranca? Que sentido há em tanta negatividade? Porque você tem se deixado dominar pelo desânimo? Alguma vez em toda a sua história, reclamar da vida foi a solução definitiva de seus problemas? Nas palavras de Johann Goethe, "na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira".

Refestele-se com última bolacha do pacote. Desfrute de cada banquete posto sobre a mesa, por mais simples que ele seja. Durma sossegadamente a última hora da noite. Não se afaste de abraços demorados. Expresse seu amor em voz alta e se silencie depois para ouvir a resposta. Ore sem a preocupação de reabrir os olhos. Descanse nos braços de Deus sem obrigação de levantar-se pela matina. Na leveza do “ser” a “existência” ganha peso. E que admirável é esta descoberta... Na pressa eu desacelero. No desacelerar, eu me apresso. 

Quanto mais pressa tenho por “viver” a vida, menos tempo eu tenho para burburinhos tolos e murmurações improdutivas. As coisas acontecem. Momentos são eternizados. O tempo, mesmo em sua fluidez imparável, por um instante, faz questão de parar. Alguns minutos a mais, que poderão durar para sempre. Particularmente, gosto muito de uma frase dita por Chico Xavier: - Viva como quem sabe que vai morrer um dia, e morra como quem soube viver direito.