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domingo, 29 de outubro de 2017

Por trás da máscara

Passado o carnaval todos colocam as máscaras.
(Aline França)


Meu “bom e velho” notebook já está com a tecla “W” bem comprometida. Pudera. O “www” é digitado a exaustão, quase todo dia. E hoje, milhões (ou seriam bilhões?) de pessoas no mundo cultivam o mesmo hábito. Uma rotina (ou seria uma necessidade?) do mundo moderno. A “World Wide Web” (teia de alcance mundial), é, sem dúvidas, um dos maiores avanços da história da humanidade, interligando o mundo inteiro em tempo real. Nunca foi tão fácil se comunicar, obter informações, transferir arquivos, armazenar dados e encontrar pessoas. Através da grande rede, qualquer um pode observar o mundo por uma janela de poucas polegadas. E ser observado.

Esta é uma janela (ou seria porta?) que abre para os dois lados. E abri-la, é liberar um tráfego intenso numa via de mão dupla.

Basta digitar seu nome no “GOOGLE”, para descobrir estarrecido, o grau de exposição pública a que estamos submetidos. A “profetiza” Internet “revela” mais que Kodak. Nome completo, endereços, processos trabalhistas, registros familiares. Alimentamos diariamente um banco de dados que torna público, até mesmo, informações que deveriam ser estritamente pessoais. Curiosos e bisbilhoteiros se sentem como ganhadores da loteria. Pessoas cujos olhos melindrosos escondem intenções escusas, caminham esfomeados pela fila do self-service. Pseudo-profetas fazem seus downloads de inspiração.  Em um mundo onde quase tudo é explícito, não é incomum sentirmos uma necessidade quase biológica de esconder o rosto. Ou, pelo menos, a verdadeira face.

Exatamente por isto, quando sentamos em frente a um aparelho conectado, e abrimos a “janela” com vista para o mundo, tendemos a “vender” exatamente o tipo de “imagem” que alguém deseja comprar. E as vastas prateleiras deste mercado mundial transbordam em variedades. Alguns se revestem de santidade, buscando devoção. Outros se debulham em vitimismo, no desespero por despertar compaixão. Posicionamentos controversos que causam polêmicas. Mensagens tendenciosas gerando espaventos. No fim, a intenção é sempre mesma. Causar empatia com o maior contingente possível. Atrair simpatizantes. Gerar likes. Promover comentários unilaterais.

E neste intuito, embora a foto do perfil ainda se pareça com a pessoa que vemos no espelho (apesar de alguns filtros e efeitos que “melhoram” a imagem), a grande verdade, é que escondemos o rosto atrás de uma personalidade que pouco lembra a essência de quem somos.

E esta é uma realidade absurdamente paradoxal. Quanto mais nos expomos para as pessoas, mais nos escondemos delas. Somos uma geração de personagens interpretadas por péssimos atores. Pregadores caricatos. Levitas cênicos. Igrejas midiáticas. Ministérios teatrais. Generosidade fingida. Amor banalizado. Infelizmente, as redes sociais têm se tornado um altar adornado de parafernálias desnecessárias, habitado por sacerdotes que mais parecem bonecos de ventríloquos, cujas “cordas”, estão nas mãos do “povo”, e não mais nas mãos de Deus. Afinal de contas, é preciso “entregar” exatamente o que as pessoas querem “receber”. E desta sinergia maliciosa, retumba triunfante o “evangelho” circense, onde a maquiagem do palhaço, esconde o rosto do pregador. Mas, não se pode esconder uma cidade edificada sobre a rocha, e nem ocultar a luz num ambiente de escuridão. O evangelho genuíno, nunca vai usar mascarás. E nem se adaptar a um perfil.

Antes que você me censure por “criticar” a nossa postura cristã no mundo virtual (este texto não foi postado em um “blog”?), quero deixar claro que não tenho aversão as modernidades do mundo. Sou um consumidor de tecnologias, assim como você é. Também tenho redes sociais, uso filtro em fotos e lapido cautelosamente cada parágrafo que escrevo. Tenho consciência que me torno responsável pela interpretação que alguém fará de meu texto. E as vezes, no afã de deixar meu pensamento mais palatável, me dedico ao exercício da dosagem perfeita. E, neste processo, inevitavelmente, cometo erros inadmissíveis. Todos fazemos isto, mesmo sabendo que o “tom” pode comprometer a originalidade da “mensagem”. Personagens interpretando os atores. Anônimos escondidos atrás da própria imagem.

Creio que se Jesus viesse a Terra nos dias de hoje, certamente teria um perfil no Facebook. E faria uso diário de WhatsApp. O tempo para a proclamação das Boas Novas sempre foi escasso, e há uma urgência latente no ar (mais urgente do que nunca). O que tornaria Jesus num “usuário” bem diferente de nós, é que independente da mídia que usasse, Ele continuaria sendo o mesmo Jesus. O Jesus do Facebook seria exatamente análogo ao da vida real. A mesma mensagem. O mesmo olhar. O mesmo círculo de amigos. A mesma abrangência universal. Ele não se importaria em agradar intencionalmente ou desagradar de propósito. Ele “causaria” sem “causar”. E acima de tudo, teria “sabedoria” e “domínio” sobre o “QUE” e o “QUANDO”. As redes sociais não seriam o apogeu de sua glória, mas sim uma ferramenta de enaltecendo ao nome do Pai. Sem demagogias. E nem preciosismo. Não é o que fazemos nas redes sociais que nos deixa mais “crentes”. Ou nos torna mais “santos”. Na verdade, é exatamente o contrário.

Ao invés de uma publicação dizendo “vou ao Jardim passar uma noite em oração, deixe seu nome no comentário para que eu ora por você”, tenho certeza que Jesus simplesmente deixaria de lado a auto-proclamação de sua vida devocional e, anonimamente, oraria por todos nós. Basta uma lida em João 17, para entender a amplitude universal do clamor messiânico. Sem alarde. Oração anônima enquanto todos dormiam. E este é o segredo.

Deus não tem página no Facebook. Ele não participa de correntes do WhatsApp. O Senhor não digita “amém” em fotos do Instagram. Deus, cuja amplitude da essência engloba o universo, é um ser de relacionamentos pessoais. Tratativa nominal. Olho no olho. Sem filtros. E nem máscaras. Não ludibriamos a Deus com um “avatar” habilmente esculpido. Não o enganamos com um “nickname” ou um “perfil fake”. A vida pública não o impressiona, pois Deus nos sonda no particular. Ele vê o que escondemos dos outros.

No famoso “Sermão da Montanha” Jesus instruiu os seus seguidores sobre a importância do anonimato. De sermos verdadeiros diante do espelho, e assim, externar aos homens a mesma essência. 

- Tu, porém, quando orares, vai para teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará plenamente (Mateus 6:6 – King James).

Orar com as portas fechadas. Falar no silêncio. Revelar-se em segredo.   É obvio que neste texto, Jesus não estava restringindo nosso período devocional de oração a um cômodo específico da nossa casa. Cristo revelava a seus discípulos   a correta “postura” com a qual devemos nos portar no momento de nossas preces. Da vida devocional diária. A solitude gerando quebrantamento. O quebrantamento nos levando a intimidade. A intimidade nos desmascarando diante de Deus. Quando estamos sozinhos, com as portas fechadas e sem ninguém para julgar nossas ações, relevamos nossa verdadeira identidade. Sem likes. Sem compartilhamentos. Ou comentários.

É ali que tiramos nossa máscara, desmontamos o figurino social. Rompemos a casca que nos protege dos olhares alheios. No segredo podemos finalmente descortinar nosso coração e revelar os sentimentos ocultos e escusos que trancafiamos no porão da alma.

Por detrás das portas, a aprovação popular não é uma necessidade. No oculto não há segredos. E é exatamente assim, que devemos nos apresentar diante de Deus. Com a cara limpa e desarmados de qualquer hipocrisia.  Deus conhece nosso íntimo, e deseja que ele seja exteriorizado em nossa face. E o melhor lugar para que isto aconteça é nos recôncavos da solidão.

Fechar a porta, mais do que uma ação em busca de sigilo e privacidade, é a atitude de ignorar o mundo, remover as artificialidades que sustentamos e revelar-se a Deus sem reservas. Este é o cenário propício para Deus nos moldar segundo sua própria imagem. Exatamente a mesma imagem que devemos revelar aos homens, seja ao nosso vizinho mais próximo, ou na “grande janela”, pela qual todo o planeta consegue nos espiar.


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