Arquivo do blog

domingo, 22 de outubro de 2017

A inveja mora ao lado

A inveja é assim tão magra e pálida porque morde e não come.
(Francisco de Quevedo)


Moisés teve um relacionamento tão peculiar com Deus, que nenhum outro homem conseguiu replicar. Eles eram amigos íntimos. Conversavam através de olhares. Moisés não se esquivava de discordar do Senhor, e respeitosamente, Deus ouvia seus argumentos. Havia sinergia entre céu e terra. Uma cumplicidade entre Deus e homem. Moisés sustinha em seus ombros a responsabilidade de conduzir milhares de hebreus pelo deserto, e isto lhe garantia autoridade política e respeito público. O patriarca, porém, nutria diariamente o entendimento de sua total dependência da direção divina, o que fazia de Moisés um homem ávido pelo Senhor, desejoso de estar constantemente na presença de seu "mentor". E este estilo de vida, lhe conferia uma autoridade espiritual sem precedentes.

Moisés se dedicava a prática da oração diária, vivia experiências pessoais com o Senhor numa intensidade que extrapolava a compreensão humana. Ele se negava a tomar qualquer atitude sem prévia consulta ao seu Deus. E não dava um passo em direção ao futuro, se o Senhor não caminhasse ao seu lado. Todos estes elementos corroboraram para que o patriarca se tornasse íntimo do “Todo Poderoso”, possibilitando diálogos francos e agridoces entre eles. Segundo o relato de Êxodo 19:19, quando Moisés falava, Deus respondia em “voz alta”, e Deuteronômio 5:22 nos revela que do meio da nuvem, toda a congregação de Israel (atônita e paralisada), podia ouvir a voz poderosa do grande “EU SOU”.

Desta maneira, a autoridade exercida por Moisés sob o povo só fazia aumentar. Sua simples presença já era motivo de “frison” entre os israelitas. Durante os dias em que esteve no alto do Sinai, Moisés recebeu do Senhor não apenas o decálogo sagrado (os dez mandamentos), como também todos os preceitos civis e religiosos que norteariam a jovem nação. Havia muito “poder” concentrado naquele invólucro humano. Nele se encerrou a “Dispensação Patriarcal” e teve início a “Dispensação da Lei”. Através de Moisés se cumpriu a “Aliança Abraâmica” (Gêneses 12:12), e a “Aliança Mosaica” foi firmada entre Deus e seu povo (Deuteronômio 29:1-29). Identificado como o homem mais manso (humilde) da terra (Números 12:3), se perpetuou como o único mortal que contemplou em vida a Glória de Senhor, tendo um vislumbre do próprio Deus (Êxodo 33:17-23). Que feito admirável. !

Motivos não faltam para que Moisés se destaque na galeria dos Heróis da Fé (Hebreus 11:24-25). Ele pode ser comparado a uma frondosa árvore frutífera, na qual todas querem se aninhar à sombra e saborear dos frutos. Moisés era como uma vidraça cristalina, pela qual olhos humanos podiam enxergar a Glória do Senhor. Ele se tornou um verdadeiro fio de alta tensão, por onde as bênçãos desciam sobre Israel, e isso fazia dele um homem amado por todos. Ou quase todos.

Onde existe frutos a mostra, logo os pássaros aparecem para bicar. Quando a cristalinidade da janela reflete em olhos arruaceiros, as pedradas são apenas uma questão de tempo. Moisés gozava de muito prestígio, mas enfrentava oposição. Ele cultivou um belíssimo jardim florido, onde nem tudo era flor.

No meio do povo, surgiram olhos cobiçosos, ansiosos por poder e destaque social. Inimigos ardilosos começaram um levante contra Moisés, convencendo muitas pessoas à pecarem contra o homem de Deus. E engana-se quem pensa que a inveja vinha de longe. Ou que o burburinho rancoroso provinha dos estrangeiros que caminhavam junto aos hebreus. Os arquitetos deste covarde motim eram íntimos e queridos de Moisés. Na verdade, tinham nas veias o mesmo sangue. E isto feria demais. As cobras atendiam por nomes familiares. Fraternos. Arão e Miriã.

Se recuarmos alguns anos nesta história, encontramos a pequena Miriã seguindo seu irmãozinho recém-nascido pelas margens do Nilo, para depois, com uma coragem admirável, apresentar-se diante da princesa egípcia, oferecendo os serviços da própria mãe como “ama de leite”. Há poucos meses, Arão havia se tornado o braço direito de Moisés, sendo seu porta voz no Egito. Agora, ambos se negam a aceitar a liderança do irmão mais novo e começam a vasculhar sua vida, procurando uma forma de diminuir-lhe a autoridade. O único argumento encontrado por eles diz respeito a vida familiar de Moisés, e embora não tivesse nenhuma relevância, o assunto acabou gerando grande desconforto entre o povo. 

Canaã estava logo a frente, mas, os invejosos, não conseguiam olhar para o futuro. Estavam presos a mesquinhez do momento.

Miriã e Arão, afrontaram a Moisés e sua família. E este, sempre é um golpe muito baixo. Passaram a criticar publicamente o fato do grande líder “hebreu” ser casado com uma mulher estrangeira, esperando que devido a este matrimônio “miscigenado”, Moisés tivesse sua liderança questionada no arraial, abrindo espaço para uma maior visibilidade de ambos na congregação. Não se lembravam que toda a vida de Moisés tinha a assinatura de Deus no rodapé. Tocaram no ungido do Senhor, e em sua família. E esta ação equivale a derrubar em sua própria cabeça um vespeiro gigantesco, onde vive uma colmeia furiosa de “leões alados”.

E qual a motivação para tamanho despautério? 
Inveja pura e destilada. Veneno servido em cálices de vinho.

Segundo o dicionário Aurélio, “inveja” é o desgosto (pesar) pelo bem ou felicidade de outra pessoa. Um desejo violento de possuir o bem alheio. Em outras palavras, é um sentimento que faz com que o indivíduo enxergue o que o outro tem de bom, com olhos maus.

Logo, aquele que nutre um sentimento de mal-estar pela felicidade dos outros, ou um desejo incontrolável de estar no lugar dessas pessoas, está sentindo inveja. E consequentemente, a um passo do precipício. Já respira por aparelhos na UTI espiritual.

Biblicamente, a inveja é tratada como um sentimento faccioso e destruidor. O sábio Salomão classificou a inveja como podridão dos ossos, numa clara explicação que este mal começa a corroer o indivíduo de dentro para fora, agindo como um câncer silencioso e incrivelmente destruidor (Provérbios 14:30). No Novo Testamento, a “inveja” é identificada como um sentimento anticristão, já que o apóstolo Paulo escreveu em I Coríntios 3:3 que as dissensões e as invejas são pertinentes a homens carnais, não podendo existir em alguém que se tornou espiritual e vive por Deus.

A inveja é uma grave enfermidade da alma. Um tanque de guerra descontrolado com imenso poder de destruição. Invejosos patológicos não medem as consequências de seus atos. Invejosos de ocasião se negam a aceitar a própria nocividade. Um ciclo negro de caos e destruição. E não tenha dúvidas. A inveja destrói. Infelizmente, em meio aos cristãos, há situações em que ministérios brilhantes são destruídos em decorrência da inveja.  Homens e mulheres com chamados específicos, que acabam protelando sua própria vocação, desejando ardentemente aquilo que Deus designou para outras pessoas. 

A inveja é a arma utilizada pelos fracos que não sabem lutar pelos sonhos e consequentemente ocupam seu tempo tentando afetar negativamente o sonho de outra pessoa. E este é um estilo de vida doentio. Um vórtice negro sugando toda a bondade existente no ar. O que sobra é uma atmosfera densa, fétida e intoxicante. Veneno.

Desde seu nascimento, Moisés foi escolhido para liderar os israelitas no retorno para Canaã. Executou esta tarefa com primazia, buscando a direção do Senhor para cada passo da jornada, o que lhe garantiu prosperidade mesmo nas situações mais adversas. Miriã e Arão sentiram-se incomodados pelo sucesso de Moisés, desejando exercer a mesma autoridade. Com isso deixaram a inveja tomar conta de seus corações, tendo os ossos corroídos por este sentimento pernicioso que visa destruir a felicidade alheia. O mais triste em todo este processo, é que ambos se esqueceram que sobre suas próprias vidas, também existiam propósitos de grande valor.

Miriã era uma mulher valorosa, e Arão, por sua vez, ocupava o posto de segundo em comando. Em Arão seria iniciado o sacerdócio, e Miriã já exercia o ministério profético, sendo uma respeitada conselheira. Ambos serviam a Deus com devoção, porém se deixaram dominar pelos ciúmes da intimidade de Moisés. E ao invés de investirem em sua própria relação pessoal com o Senhor, optaram por tentar desmoralizar e desmerecer o irmão mais “bem-sucedido”. Na incapacidade de “construir”, investiram esforços para destruir aquilo que fora construído por Moisés a duras penas. Obviamente, Deus não deixou de intervir.

O preço desta sedição foi alto e trouxe consequências dolorosas. Quem toca no ungido do Senhor, agride a “menina dos olhos de Deus”, gerando uma reação imediata do "Todo Poderoso" contra si (Zacarias 2:8). Ambos tiveram complicações ministeriais porque se esqueceram daquilo que Deus colocou em suas mãos, para tentar retirar o que estava nas mãos de Moisés. Em decorrência de sua rebeldia, Miriã foi acometida de lepra, e acabou banida do arraial. Arão, que demostrou um arrependimento genuíno, foi poupado de um castigo imediato. Porém, a tragédia não deixou de visitar sua casa (Levíticos 16).  

Se eles tivessem sido gratos pelo que já tinham, sem cobiçar o que Deus tinha concedido a Moisés, a vida teria sido tão diferente. Sem lepras. Sem fogo estranho. Sem mortes desnecessárias. A ingratidão abre as portas da sala para sua melhor amiga, a Inveja, tomar chá diante da lareira. E elas confabulam. Traçam planos de destruição e miséria. E destroem a casa que se hospedam. Caos emerge do caos. Como sabiamente disse o apóstolo Paulo, “cada um fique na vocação que foi chamado” (I Coríntios 7:20). Fidelidade à própria vocação é o “cálcio” celestial que fortalece nossos “ossos” contra esta “osteoporose” dos infernos.


Um comentário:

  1. Fico maravilhado com tanta graça em seus escritos. Esse é um tema de grandiosa necessidade. Deus abençoe sua vida amigo.

    ResponderExcluir