Passado o
carnaval todos colocam as máscaras.
(Aline França)
Meu “bom e velho” notebook já está com a tecla “W” bem comprometida.
Pudera. O “www” é digitado a exaustão, quase todo dia. E hoje,
milhões (ou seriam bilhões?) de pessoas no mundo cultivam o
mesmo hábito. Uma rotina (ou seria uma necessidade?) do mundo
moderno. A “World Wide Web” (teia de alcance mundial), é, sem dúvidas,
um dos maiores avanços da história da humanidade, interligando o mundo inteiro
em tempo real. Nunca foi tão fácil se comunicar, obter informações, transferir
arquivos, armazenar dados e encontrar pessoas. Através da grande rede, qualquer
um pode observar o mundo por uma janela de poucas polegadas. E ser
observado.
Esta é uma janela (ou seria porta?) que abre para os
dois lados. E abri-la, é liberar um tráfego intenso numa via de mão dupla.
Basta digitar seu nome no “GOOGLE”, para descobrir estarrecido, o grau
de exposição pública a que estamos submetidos. A “profetiza” Internet “revela”
mais que Kodak. Nome completo, endereços, processos trabalhistas, registros
familiares. Alimentamos diariamente um banco de dados que torna público, até
mesmo, informações que deveriam ser estritamente pessoais. Curiosos e
bisbilhoteiros se sentem como ganhadores da loteria. Pessoas cujos olhos
melindrosos escondem intenções escusas, caminham esfomeados pela fila do
self-service. Pseudo-profetas fazem seus downloads de inspiração. Em um
mundo onde quase tudo é explícito, não é incomum sentirmos uma necessidade
quase biológica de esconder o rosto. Ou, pelo menos, a verdadeira face.
Exatamente por isto, quando sentamos em frente a um aparelho conectado,
e abrimos a “janela” com vista para o mundo, tendemos a “vender” exatamente o
tipo de “imagem” que alguém deseja comprar. E as vastas prateleiras deste
mercado mundial transbordam em variedades. Alguns se revestem de santidade,
buscando devoção. Outros se debulham em vitimismo, no desespero por despertar
compaixão. Posicionamentos controversos que causam polêmicas. Mensagens
tendenciosas gerando espaventos. No fim, a intenção é sempre mesma. Causar
empatia com o maior contingente possível. Atrair simpatizantes. Gerar likes.
Promover comentários unilaterais.
E neste intuito, embora a foto do perfil ainda se pareça com a pessoa
que vemos no espelho (apesar de alguns filtros e efeitos que “melhoram”
a imagem), a grande verdade, é que escondemos o rosto atrás de uma
personalidade que pouco lembra a essência de quem somos.
E esta é uma realidade absurdamente paradoxal. Quanto mais nos expomos
para as pessoas, mais nos escondemos delas. Somos uma geração de personagens
interpretadas por péssimos atores. Pregadores caricatos. Levitas cênicos.
Igrejas midiáticas. Ministérios teatrais. Generosidade fingida. Amor
banalizado. Infelizmente, as redes sociais têm se tornado um altar adornado de
parafernálias desnecessárias, habitado por sacerdotes que mais parecem bonecos
de ventríloquos, cujas “cordas”, estão nas mãos do “povo”, e não mais nas mãos
de Deus. Afinal de contas, é preciso “entregar” exatamente o que as pessoas
querem “receber”. E desta sinergia maliciosa, retumba triunfante o “evangelho”
circense, onde a maquiagem do palhaço, esconde o rosto do pregador. Mas, não se
pode esconder uma cidade edificada sobre a rocha, e nem ocultar a luz num
ambiente de escuridão. O evangelho genuíno, nunca vai usar mascarás. E nem se
adaptar a um perfil.
Antes que você me censure por “criticar” a nossa postura cristã no
mundo virtual (este texto não foi postado em um “blog”?), quero
deixar claro que não tenho aversão as modernidades do mundo. Sou um consumidor de
tecnologias, assim como você é. Também tenho redes sociais, uso filtro em fotos
e lapido cautelosamente cada parágrafo que escrevo. Tenho consciência que me
torno responsável pela interpretação que alguém fará de meu texto. E as vezes,
no afã de deixar meu pensamento mais palatável, me dedico ao exercício da
dosagem perfeita. E, neste processo, inevitavelmente, cometo erros
inadmissíveis. Todos fazemos isto, mesmo sabendo que o “tom” pode comprometer a
originalidade da “mensagem”. Personagens interpretando os atores. Anônimos
escondidos atrás da própria imagem.
Creio que se Jesus viesse a Terra nos dias de hoje, certamente teria um
perfil no Facebook. E faria uso diário de WhatsApp. O tempo para a proclamação
das Boas Novas sempre foi escasso, e há uma urgência latente no ar (mais
urgente do que nunca). O que tornaria Jesus num “usuário” bem diferente de
nós, é que independente da mídia que usasse, Ele continuaria sendo o mesmo
Jesus. O Jesus do Facebook seria exatamente análogo ao da vida real. A mesma
mensagem. O mesmo olhar. O mesmo círculo de amigos. A mesma abrangência
universal. Ele não se importaria em agradar intencionalmente ou desagradar de
propósito. Ele “causaria” sem “causar”. E acima de tudo, teria “sabedoria” e
“domínio” sobre o “QUE” e o “QUANDO”. As redes sociais não seriam o apogeu de
sua glória, mas sim uma ferramenta de enaltecendo ao nome do Pai. Sem
demagogias. E nem preciosismo. Não é o que fazemos nas redes sociais que nos
deixa mais “crentes”. Ou nos torna mais “santos”. Na verdade, é exatamente o
contrário.
Ao invés de uma publicação dizendo “vou ao Jardim passar uma noite
em oração, deixe seu nome no comentário para que eu ora por você”, tenho
certeza que Jesus simplesmente deixaria de lado a auto-proclamação de sua vida
devocional e, anonimamente, oraria por todos nós. Basta uma lida em João 17,
para entender a amplitude universal do clamor messiânico. Sem alarde. Oração
anônima enquanto todos dormiam. E este é o segredo.
Deus não tem página no Facebook. Ele não participa de correntes do
WhatsApp. O Senhor não digita “amém” em fotos do Instagram. Deus, cuja
amplitude da essência engloba o universo, é um ser de relacionamentos pessoais.
Tratativa nominal. Olho no olho. Sem filtros. E nem máscaras. Não ludibriamos a
Deus com um “avatar” habilmente esculpido. Não o enganamos com um “nickname” ou
um “perfil fake”. A vida pública não o impressiona, pois Deus nos sonda no
particular. Ele vê o que escondemos dos outros.
No famoso “Sermão da Montanha” Jesus
instruiu os seus seguidores sobre a importância do anonimato. De sermos
verdadeiros diante do espelho, e assim, externar aos homens a mesma essência.
- Tu, porém, quando orares, vai para teu quarto e, após ter
fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em
secreto, te recompensará plenamente (Mateus 6:6 – King James).
Orar com as portas fechadas. Falar no
silêncio. Revelar-se em segredo. É obvio que neste texto, Jesus não
estava restringindo nosso período devocional de oração a um cômodo específico
da nossa casa. Cristo revelava a seus discípulos a correta
“postura” com a qual devemos nos portar no momento de nossas preces. Da vida
devocional diária. A solitude gerando quebrantamento. O quebrantamento nos
levando a intimidade. A intimidade nos desmascarando diante de Deus. Quando
estamos sozinhos, com as portas fechadas e sem ninguém para julgar nossas
ações, relevamos nossa verdadeira identidade. Sem likes. Sem compartilhamentos.
Ou comentários.
É ali que tiramos nossa máscara,
desmontamos o figurino social. Rompemos a casca que nos protege dos olhares
alheios. No segredo podemos finalmente descortinar nosso coração e revelar os
sentimentos ocultos e escusos que trancafiamos no porão da alma.
Por detrás das portas, a aprovação
popular não é uma necessidade. No oculto não há segredos. E é exatamente assim,
que devemos nos apresentar diante de Deus. Com a cara limpa e desarmados de
qualquer hipocrisia. Deus conhece nosso íntimo, e deseja que ele seja
exteriorizado em nossa face. E o melhor lugar para que isto aconteça é nos
recôncavos da solidão.
Fechar a porta, mais do que uma ação em
busca de sigilo e privacidade, é a atitude de ignorar o mundo, remover as
artificialidades que sustentamos e revelar-se a Deus sem reservas. Este é o
cenário propício para Deus nos moldar segundo sua própria imagem. Exatamente a
mesma imagem que devemos revelar aos homens, seja ao nosso vizinho mais
próximo, ou na “grande janela”, pela qual todo o planeta consegue nos espiar.