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domingo, 29 de outubro de 2017

Por trás da máscara

Passado o carnaval todos colocam as máscaras.
(Aline França)


Meu “bom e velho” notebook já está com a tecla “W” bem comprometida. Pudera. O “www” é digitado a exaustão, quase todo dia. E hoje, milhões (ou seriam bilhões?) de pessoas no mundo cultivam o mesmo hábito. Uma rotina (ou seria uma necessidade?) do mundo moderno. A “World Wide Web” (teia de alcance mundial), é, sem dúvidas, um dos maiores avanços da história da humanidade, interligando o mundo inteiro em tempo real. Nunca foi tão fácil se comunicar, obter informações, transferir arquivos, armazenar dados e encontrar pessoas. Através da grande rede, qualquer um pode observar o mundo por uma janela de poucas polegadas. E ser observado.

Esta é uma janela (ou seria porta?) que abre para os dois lados. E abri-la, é liberar um tráfego intenso numa via de mão dupla.

Basta digitar seu nome no “GOOGLE”, para descobrir estarrecido, o grau de exposição pública a que estamos submetidos. A “profetiza” Internet “revela” mais que Kodak. Nome completo, endereços, processos trabalhistas, registros familiares. Alimentamos diariamente um banco de dados que torna público, até mesmo, informações que deveriam ser estritamente pessoais. Curiosos e bisbilhoteiros se sentem como ganhadores da loteria. Pessoas cujos olhos melindrosos escondem intenções escusas, caminham esfomeados pela fila do self-service. Pseudo-profetas fazem seus downloads de inspiração.  Em um mundo onde quase tudo é explícito, não é incomum sentirmos uma necessidade quase biológica de esconder o rosto. Ou, pelo menos, a verdadeira face.

Exatamente por isto, quando sentamos em frente a um aparelho conectado, e abrimos a “janela” com vista para o mundo, tendemos a “vender” exatamente o tipo de “imagem” que alguém deseja comprar. E as vastas prateleiras deste mercado mundial transbordam em variedades. Alguns se revestem de santidade, buscando devoção. Outros se debulham em vitimismo, no desespero por despertar compaixão. Posicionamentos controversos que causam polêmicas. Mensagens tendenciosas gerando espaventos. No fim, a intenção é sempre mesma. Causar empatia com o maior contingente possível. Atrair simpatizantes. Gerar likes. Promover comentários unilaterais.

E neste intuito, embora a foto do perfil ainda se pareça com a pessoa que vemos no espelho (apesar de alguns filtros e efeitos que “melhoram” a imagem), a grande verdade, é que escondemos o rosto atrás de uma personalidade que pouco lembra a essência de quem somos.

E esta é uma realidade absurdamente paradoxal. Quanto mais nos expomos para as pessoas, mais nos escondemos delas. Somos uma geração de personagens interpretadas por péssimos atores. Pregadores caricatos. Levitas cênicos. Igrejas midiáticas. Ministérios teatrais. Generosidade fingida. Amor banalizado. Infelizmente, as redes sociais têm se tornado um altar adornado de parafernálias desnecessárias, habitado por sacerdotes que mais parecem bonecos de ventríloquos, cujas “cordas”, estão nas mãos do “povo”, e não mais nas mãos de Deus. Afinal de contas, é preciso “entregar” exatamente o que as pessoas querem “receber”. E desta sinergia maliciosa, retumba triunfante o “evangelho” circense, onde a maquiagem do palhaço, esconde o rosto do pregador. Mas, não se pode esconder uma cidade edificada sobre a rocha, e nem ocultar a luz num ambiente de escuridão. O evangelho genuíno, nunca vai usar mascarás. E nem se adaptar a um perfil.

Antes que você me censure por “criticar” a nossa postura cristã no mundo virtual (este texto não foi postado em um “blog”?), quero deixar claro que não tenho aversão as modernidades do mundo. Sou um consumidor de tecnologias, assim como você é. Também tenho redes sociais, uso filtro em fotos e lapido cautelosamente cada parágrafo que escrevo. Tenho consciência que me torno responsável pela interpretação que alguém fará de meu texto. E as vezes, no afã de deixar meu pensamento mais palatável, me dedico ao exercício da dosagem perfeita. E, neste processo, inevitavelmente, cometo erros inadmissíveis. Todos fazemos isto, mesmo sabendo que o “tom” pode comprometer a originalidade da “mensagem”. Personagens interpretando os atores. Anônimos escondidos atrás da própria imagem.

Creio que se Jesus viesse a Terra nos dias de hoje, certamente teria um perfil no Facebook. E faria uso diário de WhatsApp. O tempo para a proclamação das Boas Novas sempre foi escasso, e há uma urgência latente no ar (mais urgente do que nunca). O que tornaria Jesus num “usuário” bem diferente de nós, é que independente da mídia que usasse, Ele continuaria sendo o mesmo Jesus. O Jesus do Facebook seria exatamente análogo ao da vida real. A mesma mensagem. O mesmo olhar. O mesmo círculo de amigos. A mesma abrangência universal. Ele não se importaria em agradar intencionalmente ou desagradar de propósito. Ele “causaria” sem “causar”. E acima de tudo, teria “sabedoria” e “domínio” sobre o “QUE” e o “QUANDO”. As redes sociais não seriam o apogeu de sua glória, mas sim uma ferramenta de enaltecendo ao nome do Pai. Sem demagogias. E nem preciosismo. Não é o que fazemos nas redes sociais que nos deixa mais “crentes”. Ou nos torna mais “santos”. Na verdade, é exatamente o contrário.

Ao invés de uma publicação dizendo “vou ao Jardim passar uma noite em oração, deixe seu nome no comentário para que eu ora por você”, tenho certeza que Jesus simplesmente deixaria de lado a auto-proclamação de sua vida devocional e, anonimamente, oraria por todos nós. Basta uma lida em João 17, para entender a amplitude universal do clamor messiânico. Sem alarde. Oração anônima enquanto todos dormiam. E este é o segredo.

Deus não tem página no Facebook. Ele não participa de correntes do WhatsApp. O Senhor não digita “amém” em fotos do Instagram. Deus, cuja amplitude da essência engloba o universo, é um ser de relacionamentos pessoais. Tratativa nominal. Olho no olho. Sem filtros. E nem máscaras. Não ludibriamos a Deus com um “avatar” habilmente esculpido. Não o enganamos com um “nickname” ou um “perfil fake”. A vida pública não o impressiona, pois Deus nos sonda no particular. Ele vê o que escondemos dos outros.

No famoso “Sermão da Montanha” Jesus instruiu os seus seguidores sobre a importância do anonimato. De sermos verdadeiros diante do espelho, e assim, externar aos homens a mesma essência. 

- Tu, porém, quando orares, vai para teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará plenamente (Mateus 6:6 – King James).

Orar com as portas fechadas. Falar no silêncio. Revelar-se em segredo.   É obvio que neste texto, Jesus não estava restringindo nosso período devocional de oração a um cômodo específico da nossa casa. Cristo revelava a seus discípulos   a correta “postura” com a qual devemos nos portar no momento de nossas preces. Da vida devocional diária. A solitude gerando quebrantamento. O quebrantamento nos levando a intimidade. A intimidade nos desmascarando diante de Deus. Quando estamos sozinhos, com as portas fechadas e sem ninguém para julgar nossas ações, relevamos nossa verdadeira identidade. Sem likes. Sem compartilhamentos. Ou comentários.

É ali que tiramos nossa máscara, desmontamos o figurino social. Rompemos a casca que nos protege dos olhares alheios. No segredo podemos finalmente descortinar nosso coração e revelar os sentimentos ocultos e escusos que trancafiamos no porão da alma.

Por detrás das portas, a aprovação popular não é uma necessidade. No oculto não há segredos. E é exatamente assim, que devemos nos apresentar diante de Deus. Com a cara limpa e desarmados de qualquer hipocrisia.  Deus conhece nosso íntimo, e deseja que ele seja exteriorizado em nossa face. E o melhor lugar para que isto aconteça é nos recôncavos da solidão.

Fechar a porta, mais do que uma ação em busca de sigilo e privacidade, é a atitude de ignorar o mundo, remover as artificialidades que sustentamos e revelar-se a Deus sem reservas. Este é o cenário propício para Deus nos moldar segundo sua própria imagem. Exatamente a mesma imagem que devemos revelar aos homens, seja ao nosso vizinho mais próximo, ou na “grande janela”, pela qual todo o planeta consegue nos espiar.


domingo, 22 de outubro de 2017

A inveja mora ao lado

A inveja é assim tão magra e pálida porque morde e não come.
(Francisco de Quevedo)


Moisés teve um relacionamento tão peculiar com Deus, que nenhum outro homem conseguiu replicar. Eles eram amigos íntimos. Conversavam através de olhares. Moisés não se esquivava de discordar do Senhor, e respeitosamente, Deus ouvia seus argumentos. Havia sinergia entre céu e terra. Uma cumplicidade entre Deus e homem. Moisés sustinha em seus ombros a responsabilidade de conduzir milhares de hebreus pelo deserto, e isto lhe garantia autoridade política e respeito público. O patriarca, porém, nutria diariamente o entendimento de sua total dependência da direção divina, o que fazia de Moisés um homem ávido pelo Senhor, desejoso de estar constantemente na presença de seu "mentor". E este estilo de vida, lhe conferia uma autoridade espiritual sem precedentes.

Moisés se dedicava a prática da oração diária, vivia experiências pessoais com o Senhor numa intensidade que extrapolava a compreensão humana. Ele se negava a tomar qualquer atitude sem prévia consulta ao seu Deus. E não dava um passo em direção ao futuro, se o Senhor não caminhasse ao seu lado. Todos estes elementos corroboraram para que o patriarca se tornasse íntimo do “Todo Poderoso”, possibilitando diálogos francos e agridoces entre eles. Segundo o relato de Êxodo 19:19, quando Moisés falava, Deus respondia em “voz alta”, e Deuteronômio 5:22 nos revela que do meio da nuvem, toda a congregação de Israel (atônita e paralisada), podia ouvir a voz poderosa do grande “EU SOU”.

Desta maneira, a autoridade exercida por Moisés sob o povo só fazia aumentar. Sua simples presença já era motivo de “frison” entre os israelitas. Durante os dias em que esteve no alto do Sinai, Moisés recebeu do Senhor não apenas o decálogo sagrado (os dez mandamentos), como também todos os preceitos civis e religiosos que norteariam a jovem nação. Havia muito “poder” concentrado naquele invólucro humano. Nele se encerrou a “Dispensação Patriarcal” e teve início a “Dispensação da Lei”. Através de Moisés se cumpriu a “Aliança Abraâmica” (Gêneses 12:12), e a “Aliança Mosaica” foi firmada entre Deus e seu povo (Deuteronômio 29:1-29). Identificado como o homem mais manso (humilde) da terra (Números 12:3), se perpetuou como o único mortal que contemplou em vida a Glória de Senhor, tendo um vislumbre do próprio Deus (Êxodo 33:17-23). Que feito admirável. !

Motivos não faltam para que Moisés se destaque na galeria dos Heróis da Fé (Hebreus 11:24-25). Ele pode ser comparado a uma frondosa árvore frutífera, na qual todas querem se aninhar à sombra e saborear dos frutos. Moisés era como uma vidraça cristalina, pela qual olhos humanos podiam enxergar a Glória do Senhor. Ele se tornou um verdadeiro fio de alta tensão, por onde as bênçãos desciam sobre Israel, e isso fazia dele um homem amado por todos. Ou quase todos.

Onde existe frutos a mostra, logo os pássaros aparecem para bicar. Quando a cristalinidade da janela reflete em olhos arruaceiros, as pedradas são apenas uma questão de tempo. Moisés gozava de muito prestígio, mas enfrentava oposição. Ele cultivou um belíssimo jardim florido, onde nem tudo era flor.

No meio do povo, surgiram olhos cobiçosos, ansiosos por poder e destaque social. Inimigos ardilosos começaram um levante contra Moisés, convencendo muitas pessoas à pecarem contra o homem de Deus. E engana-se quem pensa que a inveja vinha de longe. Ou que o burburinho rancoroso provinha dos estrangeiros que caminhavam junto aos hebreus. Os arquitetos deste covarde motim eram íntimos e queridos de Moisés. Na verdade, tinham nas veias o mesmo sangue. E isto feria demais. As cobras atendiam por nomes familiares. Fraternos. Arão e Miriã.

Se recuarmos alguns anos nesta história, encontramos a pequena Miriã seguindo seu irmãozinho recém-nascido pelas margens do Nilo, para depois, com uma coragem admirável, apresentar-se diante da princesa egípcia, oferecendo os serviços da própria mãe como “ama de leite”. Há poucos meses, Arão havia se tornado o braço direito de Moisés, sendo seu porta voz no Egito. Agora, ambos se negam a aceitar a liderança do irmão mais novo e começam a vasculhar sua vida, procurando uma forma de diminuir-lhe a autoridade. O único argumento encontrado por eles diz respeito a vida familiar de Moisés, e embora não tivesse nenhuma relevância, o assunto acabou gerando grande desconforto entre o povo. 

Canaã estava logo a frente, mas, os invejosos, não conseguiam olhar para o futuro. Estavam presos a mesquinhez do momento.

Miriã e Arão, afrontaram a Moisés e sua família. E este, sempre é um golpe muito baixo. Passaram a criticar publicamente o fato do grande líder “hebreu” ser casado com uma mulher estrangeira, esperando que devido a este matrimônio “miscigenado”, Moisés tivesse sua liderança questionada no arraial, abrindo espaço para uma maior visibilidade de ambos na congregação. Não se lembravam que toda a vida de Moisés tinha a assinatura de Deus no rodapé. Tocaram no ungido do Senhor, e em sua família. E esta ação equivale a derrubar em sua própria cabeça um vespeiro gigantesco, onde vive uma colmeia furiosa de “leões alados”.

E qual a motivação para tamanho despautério? 
Inveja pura e destilada. Veneno servido em cálices de vinho.

Segundo o dicionário Aurélio, “inveja” é o desgosto (pesar) pelo bem ou felicidade de outra pessoa. Um desejo violento de possuir o bem alheio. Em outras palavras, é um sentimento que faz com que o indivíduo enxergue o que o outro tem de bom, com olhos maus.

Logo, aquele que nutre um sentimento de mal-estar pela felicidade dos outros, ou um desejo incontrolável de estar no lugar dessas pessoas, está sentindo inveja. E consequentemente, a um passo do precipício. Já respira por aparelhos na UTI espiritual.

Biblicamente, a inveja é tratada como um sentimento faccioso e destruidor. O sábio Salomão classificou a inveja como podridão dos ossos, numa clara explicação que este mal começa a corroer o indivíduo de dentro para fora, agindo como um câncer silencioso e incrivelmente destruidor (Provérbios 14:30). No Novo Testamento, a “inveja” é identificada como um sentimento anticristão, já que o apóstolo Paulo escreveu em I Coríntios 3:3 que as dissensões e as invejas são pertinentes a homens carnais, não podendo existir em alguém que se tornou espiritual e vive por Deus.

A inveja é uma grave enfermidade da alma. Um tanque de guerra descontrolado com imenso poder de destruição. Invejosos patológicos não medem as consequências de seus atos. Invejosos de ocasião se negam a aceitar a própria nocividade. Um ciclo negro de caos e destruição. E não tenha dúvidas. A inveja destrói. Infelizmente, em meio aos cristãos, há situações em que ministérios brilhantes são destruídos em decorrência da inveja.  Homens e mulheres com chamados específicos, que acabam protelando sua própria vocação, desejando ardentemente aquilo que Deus designou para outras pessoas. 

A inveja é a arma utilizada pelos fracos que não sabem lutar pelos sonhos e consequentemente ocupam seu tempo tentando afetar negativamente o sonho de outra pessoa. E este é um estilo de vida doentio. Um vórtice negro sugando toda a bondade existente no ar. O que sobra é uma atmosfera densa, fétida e intoxicante. Veneno.

Desde seu nascimento, Moisés foi escolhido para liderar os israelitas no retorno para Canaã. Executou esta tarefa com primazia, buscando a direção do Senhor para cada passo da jornada, o que lhe garantiu prosperidade mesmo nas situações mais adversas. Miriã e Arão sentiram-se incomodados pelo sucesso de Moisés, desejando exercer a mesma autoridade. Com isso deixaram a inveja tomar conta de seus corações, tendo os ossos corroídos por este sentimento pernicioso que visa destruir a felicidade alheia. O mais triste em todo este processo, é que ambos se esqueceram que sobre suas próprias vidas, também existiam propósitos de grande valor.

Miriã era uma mulher valorosa, e Arão, por sua vez, ocupava o posto de segundo em comando. Em Arão seria iniciado o sacerdócio, e Miriã já exercia o ministério profético, sendo uma respeitada conselheira. Ambos serviam a Deus com devoção, porém se deixaram dominar pelos ciúmes da intimidade de Moisés. E ao invés de investirem em sua própria relação pessoal com o Senhor, optaram por tentar desmoralizar e desmerecer o irmão mais “bem-sucedido”. Na incapacidade de “construir”, investiram esforços para destruir aquilo que fora construído por Moisés a duras penas. Obviamente, Deus não deixou de intervir.

O preço desta sedição foi alto e trouxe consequências dolorosas. Quem toca no ungido do Senhor, agride a “menina dos olhos de Deus”, gerando uma reação imediata do "Todo Poderoso" contra si (Zacarias 2:8). Ambos tiveram complicações ministeriais porque se esqueceram daquilo que Deus colocou em suas mãos, para tentar retirar o que estava nas mãos de Moisés. Em decorrência de sua rebeldia, Miriã foi acometida de lepra, e acabou banida do arraial. Arão, que demostrou um arrependimento genuíno, foi poupado de um castigo imediato. Porém, a tragédia não deixou de visitar sua casa (Levíticos 16).  

Se eles tivessem sido gratos pelo que já tinham, sem cobiçar o que Deus tinha concedido a Moisés, a vida teria sido tão diferente. Sem lepras. Sem fogo estranho. Sem mortes desnecessárias. A ingratidão abre as portas da sala para sua melhor amiga, a Inveja, tomar chá diante da lareira. E elas confabulam. Traçam planos de destruição e miséria. E destroem a casa que se hospedam. Caos emerge do caos. Como sabiamente disse o apóstolo Paulo, “cada um fique na vocação que foi chamado” (I Coríntios 7:20). Fidelidade à própria vocação é o “cálcio” celestial que fortalece nossos “ossos” contra esta “osteoporose” dos infernos.


domingo, 15 de outubro de 2017

O perigo das boas intenções

Não basta fazer coisas boas - é preciso fazê-las bem.
(Agostinho)


Os amalequitas representavam um perigo constante aos hebreus. Diversos conflitos ao longo da história dizimaram milhares de famílias. Um efeito colateral que poderia ter sido evitado, caso Israel houvesse feito a lição de casa, cortando o mal pela raiz quando teve chance. Deus os havia alertado. E instruído.

“Porém, das cidades destas nações que o SENHOR, teu Deus, te dá em herança, não deixarás com vida tudo o que tem fôlego. Antes, como te ordenou o SENHOR, teu Deus, destrui-las-ás totalmente: os heteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus, para que não vos ensinem a fazer segundo todas as suas abominações, que fizeram a seus deuses, pois pecaríeis contra o SENHOR, vosso Deus. ” (Deuteronômio: 20:16-18)

Israel, porém, se revelou complacente com o risco. Passivo diante da ameaça.  A nação flertou com o perigo. E se deu muito mal. Gestos de “bondade” inconsequentes. Acordos pacíficos com “aliados” de ocasião. Descaso com os avisos divinos. Israel ignorou a luz vermelha piscando no painel, e seguiu viagem com a maldade no banco do passageiro. Todos estes atos de negligência, (largamente registrados no histórico livro de Josué), são as causas dos terríficos eventos que fazem as páginas do livro de Juízes jorrarem sangue.

Quem alimenta serpentes com as próprias mãos, certamente acabará picado. E nem poderá alegar inocência (ou ignorância). No máximo, pode se respaldar num dos mais usuais argumentos de autodefesa que a humanidade já elaborou:

- A intenção era boa...

Israel tinha boa intenção ao poupar vida de inimigos perigosos. Assumiu o risco. O tiro saiu pela culatra. O feitiço atingiu o feiticeiro. Quando a roda da vida girou, os “poupados” não cogitaram a possibilidade de “poupar”. Israel foi flagelado, saqueado, barbarizado, torturado, humilhado e dilacerado pelos povos que teve a chance de exterminar. Tudo porque o alerta divino foi subestimado pela intuição humana. Erro em cima de erro. Boas intenções produzindo más ações. Quando o dono da vida, aponta a morte como a solução mais profícua, não existem motivos para se ponderar. E Israel, não aprendeu com seus erros. E os cometeu novamente. E o argumento para justificar suas novas falácias não mudou. Assim, como foram redundantes as consequências.

- A intenção era boa...

Sempre é!

Em I Samuel 15, temos o relato de mais um destes atos inconsequentes. Saul tinha recebido do Senhor a ordem para guerrear contra os amalequitas em território inimigo, e aniquilar toda forma de vida que encontrasse pelo caminho. Ele reuniu um poderoso exército com 210 mil homens e subiu contra Amaleque. Deus havia lhe dado a ordem e as condições. Seria a vitória definitiva. O fim de uma ameaça constante. O triunfo derradeiro sobre um adversário impertinente. O “anátema” seria expurgado daquela terra. O sangue lavaria do solo os resquícios da maldição. Uma oportunidade única e intransferível.  E tudo estava indo muito bem. A espada de Saul bradava triunfante. O rei de Israel tinha a “faca" e o "queijo" nas mãos. Seu exército rompia a resistência amalequita como se fosse um búfalo superando cerquites feitos com palitos de sorvete e cola Tenaz.

E então, contrariando o próprio objetivo daquela investida militar, o instinto falou mais alto que o senso de obediência. Por motivações “diplomáticas” que se opunham a instrução divina, Saul poupou a vida de Agague, rei dos amalequitas. Ele havia cortado a cauda de uma serpente regenerativa, mas decidiu manter intacta sua cabeça. Vai entender. Um milk-shake de irresponsabilidade e falta de inteligência. E, de quebra, o rei israelita ainda tomou como espólio de guerra os rebanhos amalequitas. Vacas, ovelhas e carneiros. Vínculos mantidos, quando deveriam ser pulverizados.  

Esta atitude de Saul acendeu a ira do Senhor contra ele. E Samuel foi enviado para repreendê-lo. O rei de Israel tinha banalizado a onisciência de Deus. Desmerecido a sua sabedoria eternal. Algo que ainda fazemos hoje, sem ao menos perceber.

A verdade, é que Deus já enxerga o monstro adulto, enquanto nós ainda especulamos sobre qual foi o animal que botou o ovo de aparência estranha, que mantemos aquecidos dentro do ninho. E isso me faz lembrar de um lindo bebezinho nascido em 20 de abril de 1889, na cidade austríaca de Braunau am Inn, para o qual, seus pais Alois e Klara, deram o nome de Adolf. A vida deste garotinho de pele clara e olhar inocente, foi marcado por inúmeros eventos misteriosos e gestos de bondades. Boas intenções.

Em janeiro de 1894, Adolf brincava com outras crianças sobre as águas congeladas de do rio Inn (Passau – Alemanha). De repente, o gelo se rompeu, e ele imergiu nas águas gélidas. Enquanto lutava desesperadamente contra a correnteza do rio, seu folego ia diminuindo drasticamente. O frio lancetava sua carne. A força das águas o arrastava em direção ao desconhecido. A morte era certa. Foi então, que Johann Kuehbergerum adolescente da região, ouviu os gritos do menino e correu em seu socorro. Sem pensar no perigo, Johann mergulhou nas águas, e bravamente retirou de lá o pequeno Adolf. Vivo.

Anos se passaram, e Adolf se tornou um ativista político de direita. Certa vez, ele estava fazendo um inflamado discurso nas ruas de Berlim, quando foi hostilizado pelos transeuntes. Turrão como era, insistiu na arenga, o que irritou profundamente os ouvintes. Cerca de duzentas pessoas o cercaram. Adolf se viu afogando novamente, desta vez, num rio de braços em riste e mãos fechadas. Em poucos minutos, ele estava no chão, sendo agredido por todos os lados. Os ossos doíam. O sangue escorria por orifícios inimagináveis. A morte mais uma vez o tinha vindo buscar. Para sua sorte, oito homens armados que passaram pelo local, correram em seu encontro. Eles sacaram as armas e começaram a atirar para o alto, dispersando a turba ensandecida.

Em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, Adolf era cabo do exército alemão. Ele foi enviado para uma área de conflito na Bélgica, onde seu pelotão foi atingido por uma granada de gás mostarda. O efeito foi devastador. Muitos de seus companheiros morreram intoxicados no local. Adolf, perdeu temporariamente a visão, mas foi socorrido a tempo, sendo levado a um hospital militar da região. Recebeu cuidados médicos, recuperou a visão e voltou ao combate. Sobreviveu ao ataque sem nenhuma sequela física.

Quase perto do final daquela guerra, alemães e ingleses se confrontaram na França. Enquanto trabalhava na reconstrução de uma ponte danificada, o soldado inglês Henry Tandley avistou ao longe um soldado alemão se esgueirando por entre os arbustos, tentando fugir. Levantou seu rifle e fez pontaria. Seria necessário apenas um tiro. Porém, Tandley percebeu que o soldado inimigo estava ferido, se movendo com dificuldade, e disse para si mesmo: – “Eu não gosto de atirar em um homem ferido.” O inglês abaixou sua arma, e simplesmente deixou o seu inimigo fugir com vida. O soldado alemão era Adolf.

Em 1921, Adolf já era um líder em evidência. Ele liderou um golpe de estado que visava derrubar o governo alemão vigente. Mas, fracassou. Mentalmente abalado, fugiu para sua casa em Munique. Tinha perdido a esperança, e temia cair em mãos inimigas. Ele abriu um armário, pegou nas mãos a pistola que ali guardava, e a apontou para a própria cabeça. Porém, antes de puxar o gatilho, seus amigos Ernest e Hellen, com quem dividia casa, entraram correndo pela porta. Hellen se lançou sobre Adolf, e o casal  conseguiu desarmá-lo. Adolf respirou profundamente, e se acalmou, abandonando a ideia do suicídio.

Por esta tentativa de golpe, Adolf foi preso e levado a julgamento. Em 1923, ele foi condenado por traição, crime sentenciado com pena de morte. O julgamento, porém, foi conduzido pelo juiz George Neithardsimpático a ideologia de Adolf. Durante a audiência, a Alemanha parou para ouvir os belíssimos discursos que Adolf fez em sua própria defesa. A popularidade de Adolf aumentou, e sua real punição foi passar apenas nove meses na cadeia.

Em 30 de janeiro de 1933, Paul von Hindenburg, presidente da Alemanha, respeitando um acordo entre os partidos políticos do país, nomeou Adolf Hitler, chanceler alemão. Era o início da ascensão do Terceiro Heich. 

E qual o saldo desta história?

- O apogeu do maléfico governo nazista liderado por Hitler.
- A segunda guerra mundial e seus quarenta e sete milhões de mortos.
- O extermínio de seis milhões de judeus durante o holocausto.

Alois e Klara tinham boas intenções ao alimentar e proteger seu sexto filho. Johann Kuehberger tinha boas intenções quando resgatou o garotinho das águas congeladas. Os homens de Berlim tinham boas intenções ao protegerem o jovem e ideológico político. Os médicos tinham boas intenções ao socorrerem o soldado alemão ferido. Henry Tandley tinha boa intenção ao poupar a vida de seu inimigo. Ernest e Hellen tinham boas intenções ao salvarem a vida de seu amigo. George Neithard tinha boas intenções ao se simpatizar com o discurso nacionalista de Adolf. Boas intenções. Boas ações. Resultados trágicos.

No que tange aos eventos do amanhã, nós, seres humanos, não enxergamos um palmo além do "narizinho". Deus vê o futuro com a mesma clareza que enxerga o passado. Ele sabe. Ele entende. O Senhor conhece o que se esconde atrás da porta para a qual ainda procuramos a chave. Exatamente por isto, Deus deseja que cortemos vínculos que serão perniciosos no futuro. Que se arranque “hoje”, as raízes da árvore que cairá sobre a casa no “amanhã”.

Deus emite ordens controversas? Sim. É fácil assimilá-las? Obviamente, não. Porém, ignorar a orientação divina, é tão arriscado quanto brincar de roleta russa usando uma arma cujo tambor está completamente carregado. Tragédia garantida, apesar das boas intenções. O grande problema aqui, é que o coração humano é enganoso, a mente é influenciável e os pés tendem a caminhos errantes. Cálculos falhos. Prognósticos tendenciosos. Certezas incertas. Boas intenções que não consideram os fatores desconhecidos da equação. O que não muda o resultado catastrófico

Certa vez, Karl Marx disse que o “o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções". Pelo menos esta, ele acertou. De fato, as boas intenções não justificam ações impensadas ou displicentes. Deus não se deixa ludibriar com argumentos bem elaborados. Imagine, então, sua repulsa por nossas desculpas esfarrapadas. Boas intenções não justificam execuções levianas. E nem amenizam a dor das consequências traumáticas produzidas. E não existe maior tragédia do que, com as próprias mãos, fechar a porta para Deus. O manter do lado de fora.

E não foi isso que Saul fez? Afastou-se Deus para abraçar aquilo que Deus desprezava. Trocou a comunhão com o Senhor pela vida de Agague. Tem horas que é preciso deixar a espada brandir e o sangue correr. Observar o rio seguir seu fluxo, levando consigo as raízes da malignidade. Não se pode abaixar o rifle numa guerra. Não se deve intervir na rota de projetil lançado com um propósito que excede o entendimento. 

E antes que você me chame de sanguinário e genocida, entenda que os Agague´s e Hitler´s que lidamos diariamente não são de carne e osso. Pensamentos. Situações. Relacionamentos. Decisões. Será que estamos sendo obedientes a voz do Senhor? Matando em nossa vida aquilo que deve morrer? Eliminando do nosso coração os bichinhos de pelúcia que abrigam em seu interior serpentes aladas, escorpiões metamórficos e dragões esfomeados?

Mal compreendemos o perigo de chocar ovos sem entender o organismo que os gerou. Como Eva, andamos incautos por um jardim florido, mantendo conversas atravessadas com serpentes camufladas por plumas e paetês. Deus conhece as intenções nefastas que se escondem patrás de sorrisos carinhosos. E nos alerta. Nos avisa. Nos arma para a guerra e caminha a nossa frente, garantindo a vitória. E o que Ele pede de nós? - Não recue. Não se distraia. Limpe a terra. Crucifique o velho homem. Extirpe o mal pela raiz. Elimine as possibilidades. Expurgue o passado. Garanta o futuro. Não duvide da minha sabedoria. Não meça os meus pensamentos pela ideologia humana.

Saul não ouviu o seu Deus. Não entendeu as motivações divinas. O amor e o zelo estão intrínsecos em Deus, fazendo parte de sua personalidade. Logo, o Grande "Eu Sou" vela pela sua palavra e sempre a fará se cumprir. Ele vem até seu povo, mas é necessário atender os pré-requisitos. Deus faz suas exigências e homem que deseja compartilhar de sua presença precisa atender.  É preciso se atentar a estes detalhes, afim de preparar o ambiente. Caso contrário, colocamos nossa vida em perigo. E a vida daqueles que amamos. Um inimigo dormindo no quarto de hóspedes, é uma bomba em contagem regressiva, com poder de pulverizar toda a casa. E Deus não divide quartos com ninguém. Ele só vem, quando o declaramos Dono da residência inteira.

Saul trouxe Agague para dentro de seu lar. E mais do que isso. Trouxe vacas, ovelhas e carneiros. Impregnou Israel com um tipo de vírus espiritual que ele não tinha capacidade para entender ou dimensionar o tamanho da infecção. Samuel foi ao seu encontro e transmitiu o recado de Deus.

- Saul, assim como você rejeitou a palavra do Senhor, hoje o Senhor também te rejeita como rei. Teu reino será tirado das tuas mãos, e entregue a alguém muito melhor do que você...

Que sentença dura. Deus se afastou de Saul e um espírito mal passou a assombrá-lo. Nem mesmo Samuel voltou a falar com o decrepito rei depois deste evento. A teimosia é um pedreiro hábil, especializado em construir muros de gelo. Enquanto isso, Davi foi ungido e iniciou sua ascensão ao trono. E quando lá chegou, não hesitou em exterminar os amalequitas, quando a oportunidade lhe foi cofiada.

Mas antes de ser condenado, Saul teve a chance de se auto defender. Pode explicar as motivações de seus atos. Ele olhou nos olhos de Samuel e vociferou suas boas intenções.

- Trouxe estes animais para sacrificar ao Senhor.

Saul realmente não entendia a voz do Senhor. Ele não entendia nada. Holocaustos e sacríficos estão para a Palavra de Deus como lâmpadas de neon acessas diante do sol ao meio dia. Que diferença faz? Quando Deus ordena que o carneiro seja incinerado, qual o sentido de armazenar a carne do animalzinho? Dá para justificar a desobediência embrulhando para presente um suculento carré? Será que alguém realmente acredita que Deus se venda por tão pouco?

A resposta de Samuel para a verborragia de Saul, é uma frase que retumba vigorosa até hoje, esbofeteando o nosso rosto com uma luva de concreto cravejada de pregos e laminas afiadas. Este sim um argumento irrefutável:  - É melhor obedecer do que sacrificar (I Samuel 15:22).




segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Deus, cade a minha promessa?

A paciência é a fortaleza do débil e a impaciência a debilidade do forte.
(Immanuel Kant)


- Senhor... Dai-me paciência! 

Esta é uma oração que vez ou outra fazemos, sem ao menos nos atentarmos que segundo Romanos 5:1-4, a paciência nasce de nossos sofrimentos. Seu desenvolvimento é aprovado em nós pelo próprio Deus, e a partir dela, a esperança surge como o sol após a mais escura noite. Então, podemos concluir que o Senhor não nos dá “paciência”, e sim, “exercícios” para que ela seja desenvolvida e aprimorada.

Quem ora pedindo por “paciência”, incautamente pede por “provações”. Mas, este é um “ato falho” bem produtivo, já que não havendo provações, a vida cristã não tem legalidade. Vivemos por fé, e como bem diz meu amigo Bene Wanderley, “o sofrimento é um teste eficaz para fé”. A grande questão aqui não é o “se”, mas sim, o “como” lidamos com as crises inevitáveis. 

Qual é nossa reação mediante o desemprego, uma perda familiar ou a um diagnóstico devastador? É nestes momentos, onde somos levados ao extremo das convicções, que o tempo parece se deslocar velozmente na nossa direção, como um trem em altíssima velocidade, andando de marcha ré nos trilhos do destino. O futuro nos golpeia com a brevidade. Na ampulheta, as areias do tempo se liquefazem. Não há mais perspectiva de longevidade. E quando a urgência grita nosso nome, faz, se necessário, um exercício imediato de paciência. Longanimidade.  Perseverança.

A paciência nos mantém fortes durante a fraqueza. Confiantes quando surgem incertezas. Determinados a esperar que Deus cumpra em nós seu querer no tempo oportuno. Mesmo que o nosso tempo pareça estar se findando na velocidade da luz. A paciência é resposta definitiva para a questão que mais aflige a maioria de nós:

- Porque a promessa ainda não se cumpriu?

Toda a vida na terra é conduzida e cronometrada dentro do “CRONOS”, o tempo humano. Enquadramos-nos em agendas e calendários, espremendo nossos dias entre os ponteiros de um relógio. Por isto quando algo inesperado compromete esse cronograma vital, nos desesperamos e perdemos o compasso.

Ora, Deus não se encaixa em nosso tempo. Ele é atemporal. Sua existência é de eternidade em eternidade. Diante de seus olhos, nossa vida é como um breve sopro. Ele a tem como uma fagulha em suas mãos, com conhecimento profundo sobre nosso passado, presente e futuro, sabendo “quando” e “onde” agir para nos favorecer... Mas, seu socorro não esta comprometido com o CRONOS, e se desenrola no KAIRÓS, o tempo perfeito de Deus. 

Então, haja paciência! 

As promessas não foram esquecidas. Passado, presente e futuro são a mesma coisa diante de Deus. Sua palavra suplanta o tempo. Mil anos são como um dia... Deus não é afetado pelas décadas... Nós, por outro lado, envelhecemos. Nos cansamos. Esquecemos.

Ou seja, não fique de pé, com os braços levantados, gritando aos quatro ventos, exigindo o cumprimento das promessas. Você vai ter varizes. E ficará rouco. Sente-se. Cale-se. E espere. Espere sentado e com muita tranquilidade, pois Deus não se apressa com nosso imediatismo. Ele é longânimo, e a longanimidade, é também um desafio diário para nós...

A palavra longanimidade vem do termo grego “MAKROTHUMIA”, que remeta a ideia de alguém que sabe esperar o momento certo para falar ou agir, sem reagir de forma subconsciente ou explodir em ira quando provocado. Em resumo, quem é longânime, sabe “contar até dez”, escuta mais do que fala e pensa antes de agir. Segundo Provérbios 25:15, a longanimidade persuade o príncipe, e a língua branda esmaga os ossos.

Pensar com prudência.
Agir com sabedoria.
Não precipitar delírios.
Não verbalizar sandices.

A paciência é o cabresto num cavalo quase indomável. A barragem represando um rio de ansiedades. E compreender esta verdade, mais do que uma escolha de vida, é uma questão de sobrevivência. Não se escapa dela. Parafraseando a poetisa Cora Coralina, “todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”. Só quem se sujeita ao “Senhor do Tempo”, consegue aceitar o “Tempo do Senhor”.

A longanimidade nos faz entender e se entregar ao Kairós de Deus, cientes que depois da tempestade, o Senhor colocará no céu de nossas vidas o seu arco (Gênesis 9:16). Que no tempo exato (do ponto de vista da eternidade), Deus virá em nosso socorro.

Muitas vezes, na pressa por uma solução imediatista, queremos enfrentar os Gigantes do Vale com a força existente nos braços. Vestimos “nossa” armadura de bronze, empunhamos “nossa” espada afiada, e movidos por irritação, ira, revanchismo e até pela vingança, atacamos descoordenadamente. Como resultado, acabamos ainda mais feridos. E, infelizmente, alguns encontram a própria morte. Provérbios 16:32 nos diz que vale mais o paciente do que o guerreiro e que controlar o próprio espírito vale mais que conquistar uma cidade.

É claro que existem circunstâncias onde é preciso guerrear, mas haverá casos em que a batalha não cabe a nós, é sim ao próprio Deus (Êxodo 14:14). E neste caso, a “arma” mais eficiente para termos em mãos, é exatamente o exercício da longanimidade... A capacidade de esperar Deus agir. 

Calebe foi um dos espias que sondaram Canaã a pedido de Moisés. Ao lado de Josué, animou o povo à conquistar a Terra Prometida, mesmo contrariando os prognósticos negativos de seus compatriotas. Se revelou um homem dotado de tantas virtudes, que o próprio Deus deu impressionante testemunho sobre seu caráter. Por sua perseverança e fé, o Senhor lhe fez duas grandes promessas: ele sobreviveria ao deserto e herdaria a terra que espiou (Números 14:34). Calebe lavrou este juramento em seu coração, e nem mesmo a passagem dos anos foi capaz de minar sua fé nas promessas. E o tempo não foi gentil...

Calebe se submeteu ao Kairós de Deus por quarenta e cinco anos. Não questionou as décadas que passou no deserto, vivenciando uma peregrinação resultante de pecados que ele mesmo não cometeu. A chegada em Canaã não lhe assegurou a posse de sua herança. Foi preciso investir mais cinco anos de vida na conquista do território que lhe fora prometido. Mesmo empregando seus melhores dias nesta jornada, e esforçando suas mãos na conquista, Calebe não valorizou os seus méritos pessoais. Pelo contrário. Fez questão de louvar ao Senhor por tê-lo conservado com vida até o dia em que a promessa se tornou realidade. E este pensamento é bem reconfortante... A promessa de Deus é o mais eficiente seguro de vida.

Muitas pessoas estão frustradas, com a vida espiritual em declínio, decepcionados com Deus e a Igreja. Tudo isso, porque supostamente, Deus deixou de cumprir as promessas feitas. Obviamente, este tipo de pensamento nada mais é que loucura humana, pois Deus é fiel em tudo o que fala e faz. Se uma promessa foi realmente feita por Deus, não haverá no céu, na terra ou embaixo da terra, qualquer força para impedi-la de se realizar... Mas, elas só se tornarão realidade no tempo de Deu,s e não no nosso. É aí que os prognósticos do homem falham miseravelmente e os projetos de Deus se mostram plenos e absolutos.

Chronos e Kairós são dois conceitos gregos para explicar o tempo.  Chronos (do qual se derivam palavras como “cronologia’ e “cronômetro”), é o tempo marcado pelo relógio; minutos, décadas, séculos – passado, presente e futuro. Kairós, por sua vez, é o tempo como substância, não-sequencial e indivisível. Deus nos enxerga no Kairós; nós o enxergamos no Chronos.  Não sabemos todas as razões. Todos os porquês. Todas as implicações. Mas, Ele sabe de tudo. Aqui. Agora. Eternamente. Isso é grande e misterioso demais para entendermos. Mas, quem disse que é preciso entender? 

Não precisamos entender, precisamos confiar e crer. 
O amanhã está nas mãos do Senhor.

As promessas de Deus são uma ferramenta de aperfeiçoamento, usada com sabedoria em seus filhos. Se ao invés de uma promessa futura, Deus nos desse apenas certezas imediatas, qual seria a utilidade da fé? E sem fé, não há salvação. Tudo tem um objetivo. 

- Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. (Hebreus 11:1)

Esperar com paciência as promessas se cumprirem, nos deixa mais fortes. Mais convictos. Crentes de verdade. Resistentes ao sofrimento. Um ciclo fechado e profícuo. Deus é fiel em suas promessas. Se Ele promete, certamente vai cumprir. Então, se os anos acumulam e nada acontece, tenha paciência... Ao invés de se angustiar com a “promissória” em aberto, apenas “relaxe”. Concentre-se em aproveitar (e fazer valer a pena) a vida longeva que uma promessa “ainda não cumprida”, certamente te assegura. Não viver a promessa hoje é a garantia que estaremos vivos para "vivê-la" no amanhã. 

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Uma boa notícia

A Bíblia é mais atual do que o jornal que irá circular amanhã
(Billy Graham)


Aiden Wilson Tozer, teólogo mundialmente renomado, certa vez escreveu: - Nunca vi um cristão útil que não seja estudante da Bíblia. Não podia estar mais correto. Tire do mundo as Sagradas Escrituras, e não haverá mais cercas ao redor no abismo. E a humanidade caminhará a passos largos em sua direção. Com vendas nos olhos e rodinhas nos pés. Ladeira abaixo. A Palavra de Deus é a bússola que nos aponta o norte celeste, e sem ela, tudo o que resta é a desorientação. E o contrário também é verdade. Parafraseando Napoleão Bonaparte, “a alma jamais pode vaguear sem rumo, se tomar a Bíblia para lhe guiar os passos. ”

E exatamente a ausência da Palavra de Deus no coração do homem, que provoca seu progressivo afastamento do Deus da Palavra. E este cenário, enegrece os dias. Não há alento para a dor e nem afago para as tristezas. Más notícias e notícias más. Os telejornais jorram violência. As redes sociais explodem em mentiras. Os governos se implodem na corrupção. Guerra. Assassinato. Roubo. Difamação. Com esta enxurrada de caos, é preciso uma trava de segurança. Um guarderreio na pista escorregadia. Uma colher de mel após doses cavalares de absinto. E é aí, que a Bíblia se mostra eficaz. Direção ao perdido. Luz para o cego. Esperança. Renovo. Perspectiva. Para Isaac Newton, “a filosofia mais sublime”. Para Bettex, “o livro que responde às perguntas de uma criança e resiste à sabedoria dos sábios”.

A palavra “EVANGELHO” significa literalmente “Boa Notícia” ou “Boas Novas”. Porém, mas do que trazer alegria e esperança, esta “novidade” vinda diretamente dos céus traz para a vida do ser humano uma verdadeira “transformação”.  Não uma mudança superficial ou uma mera adaptação a um estilo religioso de vida, mas sim uma guinada de 180º que começa no interior do coração humano e se expande progressivamente por sua alma, espírito e corpo, até levar o indivíduo ao padrão de homem perfeito, estabelecido e personificado em Cristo. 

Esse é um processo longo e contínuo que só será completado quando o nosso corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, no exato momento que encontrarmos o Senhor nos ares.  Mas até lá, cabe a cada um se entregar sem reservas a esta “transformação” espiritual que o Evangelho de Jesus Cristo tem o poder de efetuar.

Esta transformação começa pela liberdade de todas as amarras que nos prendem ao passado pecaminoso ou então ao legalismo que nos veste com trajes de religiosidade enquanto nossas intenções estão distantes dos desígnios de Deus. E esta liberdade nasce do conhecimento – “Conhecereis a VERDADE e a VERDADE vós libertara” (João 8:32). Jesus é esta verdade libertadora, e, portanto, é inadmissível que o cristão continue amarrado em traumas e pendências pretéritas.

Quando o homem tem um encontro real com o Salvador, uma mudança genuína acontece, pois, o sangue de Cristo suplanta toda maldição e o amor que abunda na cruz, lança fora todo o medo. Jesus é poderoso o suficiente para arrebentar cordas e destruir grilhões e fará isso na vida de qualquer pessoa que realmente o receba como o Messias. Ele apaga nosso passado e nos orienta rumo a um futuro glorioso.

O problema de grande parte da cristandade é exatamente viver um evangelho superficial, onde muito se fala, mas pouco se vive. Jesus está presente nas falas, mas omitido nas ações. É muito sermão e pouca experiência. Fachada sem comprometimento. Jesus quer promover mudanças, mas muitas pessoas estão conformadas com suas vidinhas medíocres e acomodadas em sua redoma legalista, pouco propensas para viver uma transformação verdadeira.  E esta é a grande questão: Queremos viver o Evangelho em sua plenitude ou continuar na mediocridade de uma religião vazia com um cristo genérico?

Para ser livre, é preciso encontrar a Verdade, e isto basicamente significa viver uma experiência pessoal e verdadeira com Jesus. Não “aceitar” Jesus de forma ritualista como é tão usual hoje em dia, mas sim “entregar-se” completamente à Jesus, permitindo que ele seja o Senhor absoluto de sua vida. Andar com Ele. Pensar como Ele. Ser como Ele.

Este tipo de desenvolvimento só é possível, se pautado ponto a ponto no manual de instrução que verbaliza o passo a passo de uma vida cristocêntrica: A Bíblia Sagrada. Como alguém sabiamente já disse, “a Bíblia é Deus falando ao homem; é Deus falando através do homem; é Deus falando como homem; é Deus falando em prol do homem; enfim, é sempre Deus falando”. É nela que Jesus se revela e se torna um modelo de como cada cristão precisa agir e pensar

Renegar a Bíblia é como rejeitar o próprio Cristo. “Abandonar” as escrituras em um canto da estante, é “exilar” Jesus no limbo de nosso coração. 

Logo, todo cristão que se preze deve ser um assíduo leitor da Bíblia. Não são os líderes eclesiásticos que definem a verdade e nem escolhem o que é santo ou pecaminoso. Estes são precedentes exclusivos da Palavra de Deus, que aponta o caminho ao céu e os atalhos que devem ser evitados, pois  conduzem ao inferno. Tudo que é relevante está ali... Como já dito pelo pré reformador John Huss a mais de quinhentos anos atrás: - A nenhum cristão pode se impor alguma coisa além das Escrituras

Quer ser livre? Leia a Bíblia e encontre o Jesus que nela está. O encontrou? Permita que Ele seja o centro de sua vida. Jamais baseia sua fé apenas no que é dito por homens. Confira em loco o que Jesus tem a dizer sobre cada tema. Seus discursos, ensinamentos e ações estão explicitados nas escrituras, e a liberdade virá quando você tiver a capacidade de assimilar cada uma dessas linhas, e interpretá-las com imparcialidade e comprometimento pessoal.

Seja transformado pelo poder da Palavra...

Seja liberto pelo poder de Jesus...

Viva de boas (e transformadoras) notícias...

Que a Bíblia seja nossa única regra de fé, e nosso parâmetro para todo é qualquer ensinamento recebido. Os homens erram, mentem e omitem, mas a Bíblia revela a verdade absoluta. Viveremos sim dias nebulosos, de incertezas e questionamentos. Mas nunca dias sem respostas. Pois em meio a escuridão dos sentimentos humanos surge a luz resplandecente do Evangelho. Uma boa notícia para dias repletos de maldade.